quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

MULHERES: REGULEM O BANCO DO CARRO E TENHAM O BANHEIRO CHEIROSO

Os homens cometem gafes. E gafes graves, no ponto de vista das mulheres. Não levantar a tampa do vaso sanitário para fazer xixi é uma delas. Conforme relatos de 99,97% delas, uma falta de cavalheirismo. Algumas são mais exigente e garantem: "um verdadeiro cavalheiro levanta  tampa do vaso, faz xixi e baixa a tampa de novo".

Exageros a parte, quem nunca ouviu: "Já mijou na tampa do vaso de novo, guri? Depois o banheiro fica fedendo!". Todo homem já teve esse tipo de reclamação da mãe, da irmã, da avó, da tia... Assim, a gente vai aptrendendo a mijar com a tampa levantada . É impossível não assimilar a informação com um bombardeio de críticas. Alguns homens ficam tão traumatizados que fazem xixi sentados.

Para as mulheres, um xixi na tampa do vaso dói. Mas elas esquecem que tem uma coisa que elas fazem que dói nos homens. Especialmente no joelho. Elas usam o carro e não ajeitam o banco. Ôh coisa que dá uma raiva é entrar num carro com o banco colado no para-brisa. A bunda vai primeiro e depois as pernas. A patela esfrega no painel, coxa bate na direção e só depois dá pra regular o banco, pondo na posição confortável.

Os homens aprenderam: tem que levatar a tampa do vaso pra fazer xixi. Mas quando as mulheres vão aprender a por o banco no lugar? E eu nem falei da regulagem do espelho! Então, atenção homens, pais, irmãos, primos, namorados, amigos, genros, maridos: participe da campanha AS MULHERES TEM QUE REGULAR O BANCO DO CARRO! Nossos joelhos agradecem. Caso contrário, nós homens, vamos voltar a mijar na tampa do vaso em protesto.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

AÇÕES QUE ANTECEDEM O ATO

Carlinhos pegou a enxada do pai e passou a arrastá-la por uma parte do pátio. Seu pai, curioso, lhe pergunta: "O que tu faz com essa enxada, guri?". Concentrado no serviço, o garoto nem olha pro pai e só responde: "Estou fazendo as estradas da minha cidade, pra brincar de carrinho". Carlinhos passou a tarde toda na construção da cidade. Além das estradas, fez prédios, casas, escolas, campo de futebol e uma igreja. Até um buraco ele cavou para servir de túnel.

Quando estava acabando a construção do mini mundo, o pai lhe trouxe os carrinhos para Carlinhos brincar. "Não precisa, não, pai. Não vou brincar hoje. Meus carrinhos estão limpos e não vou sujá-los na terra", explica o mocinho. O moleque não sabia, mas as ações que antecedem o ato, às vezes são mais legais.

O pai, então, junta os brinquedos e os leva  de volta pra casa, intrigado com o filho, que passou a tarde construindo o palco da brincadeira e não brincou. No dia seguinte, Carlinhos desmanchou aquela cidade e construiu outra. Os carrinhos continuaram guardados.

Entre uma construção e outra, Carlinhos cresceu. Na adolescência, conheceu  Aninha, a mais bela moça que já tinha visto. Aninha era mesmo bela, mas sua arrogância a afastava de qualquer garoto. Porém, Carlinhos queria, pelo menos, um beijo de Aninha - a qualquer custo. Mas a menina não dava entrada. Qualquer insinuação e rapazinho já era descartado.

A arrogância de Aninha atiçava ainda mais o desejo de Carlinhos. Numa bela tarde, os dois estavam saindo da aula. Eram os últimos a deixar da sala. Carlinhos se aproximou, agarrou sua donzela pela mão e disse palavras doces, que agradaram a moça. "Hoje ela não escapa. É hoje!", pensou ele.

Os rostos foram se aproximando, a respiração se alterou, a boca secou. Carlinhos se dava conta de que estava prestes a beijar a garota mais linda do colégio (e a mais chata também!). Os lábios de Aninha sentiam o calor de Carlinhos. Quando se tocaram, ele desistiu. Preferiu não sujar seu carrinho na terra. A ação que antecede o ato vale mais. O legal mesmo foi construir a estrada.

Aninha nunca mais falou com Carlinhos.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

A TACADA PERFEITA

Década de 90. Mais precisamente, novembro de 1994. A diversão da gurizada daquela época era o jogo de taco - o beisebol na versão gaúcha. Duas bases com dois buracos, onde os tacos devem permanecer sempre, exceto na hora de rebater a bola. Só pontuam os rebatedores, trocando de base, enquanto os lançadores buscam a bolinha. Atrás de cada buraco, a latinha. Quem derrubá-la recupera os tacos e, assim, pode pontuar. Essas são as regras básicas. Cada dupla tinha, geralmente, pelo menos um integrante mais forte para rebater a bolinha o mais longe possível.

Não era o caso da minha dupla. Éramos dois franzinos e nossas tacadas iam, no máximo, a cinqüenta metros da base. Mas até que nos dávamos bem, apesar de pequenos. Os pontos custavam a sair, porém, ganhávamos várias partidas. Jogávamos todos os dias, quase toda hora. De manhã, de tarde (antes da aula), na hora do recreio e depois da saída do colégio. Haviam vários lugares pra prática do Tacobol: Na Feira do Produtor, no colégio, na rua - bem em frente a minha casa, entre outros.

Uma vez, eu e meu parceiro voltávamos do colégio com os tacos no ombro e a bolinha no bolso quando dois guris, um pouco mais velhos e bem mais fortes nos desafiaram: "Querem uma partidinha na Feira do Produtor? Ou as maricas tem medo?". Nos olhamos, sem saber o que responder. Não podíamos passar por maricas, mas certamente perderíamos a partida pra eles. Eram maiores, mais e fortes e com caras de mau. Topamos. No trajeto do campo de batalha, as intimidações eram de dar medo: "Será que esses guris tem nave pra buscar a bolinha na lua?" ou "Vai ser fácil... só duas tacadas e termina esse joguinho."

Sorteamos quem sairia nos tacos no tradicional "seco ou molhado", cuspindo em um dos lados do taco (quem jogou taco, sabe: é tipo um par ou ímpar). Os brutamontes saíram rebatendo; nós lançando. O primeiro lançamento resultou nua rebatida certeira. Fui buscar a bolinha na esquina da Praça Dr. Ozy Teixeira, há quase oitenta metros. Eles 11 X 0 Nós. No próximo lançamento, outra rebatida. Mas essa não foi tão forte e deu pra agarrar a bolinha no ar. "Tempelasduas!". Recuperamos os tacos, mas com medo de que os brutamontes nos fizessem alguma sacanagem. Com nossas rebatidas tímidas, conseguimos encostar no placar.


Quando tudo ia bem, tivemos que entregar os tacos pela terceira bola pra trás. "Agora esses franguinhos vão ver!", disse um deles. O sentimento de derrota era bem mais forte, mas agora estávamos mais confiantes e arriscamos alguns truques, como enganador o rebatedor com uma pedra para que tire o taco do buraco. Deu certo. Derrubei a latinha e retomamos os tacos. Um deles, certo de que iriam recuperar os tacos e ganhar a partida, lançou uma bola quicando (é o maior pecado de quem lança, pois facilita a tacada). Foi a melhor rebatida da minha vida. A bolinha se perdeu e ganhamos! Os brutamontes tinham caras de mau, botavam medo, mas foram leais. Nos parabenizaram pela vitória.

Lembrando desta feita, resolvi ensinar as técnicas do Tacobol ao meu sobrinho, de dez anos. Aprendendo a jogar com os mais velhos, já teria o atalho das regras e das malandragens do esporte. Produzi alguns tacos,  comprei a bolinha e improvisei as "latinhas" com duas garrafas pet. Mas onde jogar? Na minha antiga casa, não havia mais saibro (a rua foi calçada); a cancha do colégio não existe mais; a Feira do Produtor foi coberta por estrutura de madeira. Rodamos por vários pontos da cidade atrás de um lugar pra passar adiante a tradição do beisebol gaúcho. Só no Parque de exposições achamos uma cancha mais ou menos boa. Chegando lá, a primeira palavra foi "tempelasduas!". Intrigado, o guri pergunta: "Tio, o que é isso que tu falou?".

Respondi com toda a calma de tio: "'tempeladuas' significa 'tempo pelas duas casinhas'. Sabe que um dia eu dei a maior tacada da minha vida?Foi a tacada perfeita! Década de 90. Mais precisamente, novembro de 1994. A diversão da gurizada daquela época era o jogo de taco..."

domingo, 3 de outubro de 2010

O SEQUESTRO DA URNA

Pra quem não sabe, os detentos sem condenação definitiva podem votar. Isso, só se as urnas forem até eles. Pensando nisso, um juiz eleitoral resolveu transferir uma seção eleitoral para dentro do presídio. "Os presos precisam exercer a cidadania", justificava o juiz.

Mas o pessoal que votava naquela seção não gostou muito da decisão. "Como assim? vou votar num presídio?" - se perguntava uma senhora. Alguns até pensaram em justificar a ausência justamente por serem obrigados a votar num ambiente considerado hostil. Mesários também não queriam trabalhar.

Bom. Gostando ou não o pessoal tinha que cumprir a ordem judicial. No dia da eleição, o movimento era grande, dentro e fora do presídio. Os burburinhos corriam soltos. Uns com medo de algum imprevisto. Era uma votação inusitada.

Tudo corria bem até 40 minutos antes do fim do processo eleitoral. Um dos apenados desconectou os cabos da urna e, rapidamente carregou o aparelho até uma salinha ao lado. Alguns mesários correram atrás dele e quando lá chegaram ele já tinha retirado o disquete que continha os votos daquela seção e estava prestes a atirar a urna pela janela.

"Não se aproximem! Eu atiro essa porcaria pela janela!" - alertava ele, que também considerava sua prisão injusta. Chegaram os policiais, apontando suas pistolas para o amotinado solitário. "Largue a urna!", ordenava um deles. Enquanto isso, o Tribunal Regional Eleitoral era acionado para a substituição do aparelho de votação.

Os policiais tentavam convencer o rebelde a desistir do sequestro da urna, argumentando que aquilo não tinha o menor cabimento, que o ato só atrapalhava o processo de votação. Mas o preso rebelde não dava trégua. "Tu tá me dizendo que os votos desta urna não valem nada? Eu exijo que me libertem daqui. Ou eu arrebento com essa urna"

Os sentinelas da urna pensaram na importância daqueles votos e se entreolharam. Mas sabiam que os dados estavam no disquete. Um deles, ria daquela situação ridícula e, assim, debochando do rebelde, se aproximou."Então atira isso pela janela, que eu quero ver!"

O preso sabia que a estratégia de destruir a urna não adiantaria. Então, largou a urna no chão e puxou da cueca o disquete que continha os 146 votos daquela seção. Colocou o objeto na boca e continuou: "Se vocês não me atenderem, eu destruo esses votos!"

O policial que estava próximo perdeu a paciência. Agarrou o amotinado e o prendeu novamente. O disquete foi mordido e destruído. O preso voltou pra cadeia. Os votos foram perdidos. A notícia rapidamente se espalhou. A senhora revoltada com a decisão do juiz, logo comentou: "Meu voto não vale nada mesmo."

O juiz eleitoral voltou atrás e restabeleceu a seção eleitoral para a escola mais próxima do presídio. Nesse caso, se Maomé não for à montanha, a montanha não vai precisar se deslocar.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

LAJOTA SOLTA

Uma das coisas mais irritantes num dia de chuva é pisar numa lajota solta. A chuva tá caindo na vertical e tem água escorrendo pela horizontal. A gente escolhe com todo o cuidado onde pisar e... pisa naquela, justamente aquela, que está solta.

É como naquele joguinho, Campo Minado. Só que, o que explode é a água e o barro que estava debaixo da pedra. A perna que pisa na lajota até que fica quase intacta. Mas a água vai bater justamente na outra. Não tem como desviar! E nem falo quando a pessoa está de calça clara - porque a pessoa que sai de calça clara num dia de chuva pede pra sujá-la.

Qual delas está solta? Qual delas está acimentada?

Esse problema de lajotas soltas é um comum em qualquer cidade. Tem aqui, tem ali. Tem em Porto Alegre, São Paulo. Quem aqui nunca pisou numa lajota solta e embarrou a outra perna? E depois da meleca sujar a calça, o que fazer? Voltar pra casa, trocar de roupa e chegar atrasado no trabalho? Continuar sujo e molhado? Ligar pra alguém trazer uma calça e um calçado seco?

Complicado. O que resta é marcar aquela rua e aquela calçada pra não passar ali quando estiver chovendo. Pior que não adianta: a gente sempre volta a pisar na lajota solta (e a cada vez que pisa, o xingamento é maior e mais alto).

Dia 3 de outubro temos que escolher onde pisar. Alguns candidatos estão marcados e não podemos pisar nessa lajota solta, sob o risco de embarrar a perna. Outros, estão ali... esperando para serem escolhidos para serem "pisados" (literalmente). São muitos e estão em toda parte.

Será que a lajota escolhida vai estar bem acimentada? Temos que arriscar e buscar o caminho das pedras firmes. Lá por 2012, temos que olhar pra uma das pernas pra ver se fomos atingidos pelo barro lançado por nós mesmos.

sábado, 18 de setembro de 2010

NO BOTECO DO AMORIM (II)

O bar já estava sem movimento há três dias por causa da chuva. Os fazendeiros, peões e moradores da redondeza não saíam muito de casa, exceto para comprar algumas miudezas domésticas. Só compravam o necessário e já iam embora. Os debates estavam escassos no Boteco do Amorim.

Mas numa segunda-feira, o dia amanheceu com céu limpo e seu Amorim tinha a certeza de que a semana começaria diferente. Com o sol, voltariam também os frequentadores e seus debates. Por isso, a fachada merecia uma faxina, bem como o interior do bar. Mesas e cadeiras de madeira na rua e a vassoura caseira entrou em ação.

Depois da faxina, seu Amorim se dedicou a tirar os pó das garrafas. Empoleirado num banco de madeira, ele seguia assobiando um milonga enquanto limpava as garrafas de vinho, cachaça e refrigerante. O assobio foi interrompido por um "Ôh, de casa". Seu Amorim desceu do banco e foi ver quem estava chegando. Não era assim que os frequentadores usuais chegavam no boteco. Um sujeito de terno e gravata , devia ser alguém da cidade.

- Pois não, seu Doutor! - recepciona seu Amorim

- Deixe o "Doutor" de lado, seu Amorim. Eu sou apenas um amigo, que veio lhe fazer uma visita.

Seu Amorim sabia que aquilo não era apenas um amigo. E também sabia que aquela não era uma simples visita. Os papéis com foto e alguns números colados no peito do visitante não lhe soavam como uma visita comum. Era um candidato que lhe visitava. Uma era visita puramente estratégica.

O dono do bar jogou o pano no ombro, foi na rua pegar uma mesa e algumas cadeiras e recolocou-as dentro do boteco. Serviu uma cerveja gelada e um pastel ao "homem da cidade" e pra mais dois que lhes acompanhavam.

Depois de um elogio demagogo ao quitute (feito pela dona Maria Alzira, mulher de seu Amorim), os políticos já tomaram a dianteira da conversação, falando que estavam ali para tratar dos problemas daquele vilarejo.

- Pois é, seu Amorim. O nosso governo já fez muito pela sua comunidade, mas ainda tem muito a se fazer. A gente trouxe asfalto até aqui pertinho. Mas temos muito pra fazer ainda. Então, estamos aqui pra pedir o seu apoio. Sabemos que o seu bar é bastante frequentado aqui.

Seu Amorim balançou a cabeça, recolheu os pratos e  disse que todo ano eleitoral os candidatos sempre falavam a mesma coisa. Todos tinham o mesmo discurso. Os políticos notaram que a receptividade do dono do bar não foi das melhores. Então, deixaram alguns santinhos e foram embora em seguida, prometendo voltar.

À tardinha, regressaram os frequentadores do boteco. Seu Amorim contou da visita e os debates foram até o início da noite. No dia seguinte, eis que chega mais um candidato. Diferente do primeiro, esse vestia uma roupa mais simples. O discurso era diferente também. Este, dizia que o governo não fez nada pra comunidade e que ele sabia como resolver os problemas de lá. Prometia estradas, desenvolvimento e postos de saúde. 

Os debates reacenderam. Cada um com seu ponto de vista. Uns brigaram, mas seu Amorim apaziguou todos os desentendimentos. Ele lembra bem desta feita: era um setembro de 1994. As brigas continuam iguais até hoje. Os discursos também, 16 anos depois.


sexta-feira, 17 de setembro de 2010

VIAJANDO COM ISMAEL

Eu sou mesmo sortudo! Sempre que tem algum ser diferente dentro de um ônibus, se posiciona perto de mim. É quase sempre assim. Pode ser um bêbado escandaloso, um louco falante, um bebê gritão... Desta vez foi um guri. Foi nesta terça, na volta da capital gaúcha, para minha terra natal. Mas não era apenas um guri. Era guri falante. Mais: não era apenas um guri falante. Era um guri irritantemente falante. Mais: Além de falar sem parar, mexia em tudo.

Começou ainda na rodoviária, em pé nas poltronas 11 e 12 puxando a cordinha da campainha a todo  instante. Volta e meia, o motorista olhava pra trás - tinha até o risco de tirar a atenção do motorista. A mãe só dizia baixinho para o menino sentar. Só parou de mexer na cordinha quando olhou pro fundo do ônibus e se deu conta que tinha banheiro:

- Tem banheiro, pai! Eu quero mijar! Eu quero mijar! Vamo no banheiro, pai? Hein, pai?

A mãe do garoto até tentou argumentar, dizendo que ele recém tinha ido no banheiro da rodoviária e que não tinha nenhuma necessidade fisiológica. Mas enquanto ele não experimentou o WC do ônibus, não sossegou. Voltou de lá e se instalou nas poltronas 13 e 14. Ali, a bola da vez, foi o elástico dos bancos da frente: PLAC!, PLAC!, PLAC!

- Pára, Ismael! A tia da frente não gosta disso - pedia a mãe, com toda a calma do mundo.

Pela primeira vez, ouvi o nome daquele pentelho de olhos grandes, cabelo baixo e uma voz de volume altíssimo. A essa altura, desisti de tentar dormir. Tentei ler pra ver se me distraía, mas sem sucesso também.A única coisa que me passava na cabeça era: "O que esses pais estão fazendo que não dão um 'sacode' nesse guri?"

E quando ele resolveu cantar? "TUDO É DO PAAAAAIII". Eu e a mulher da poltrona ao lado só nos olhamos em silêncio. Não precisou explicações. Logo em seguida, um vivente espirra lá no fundo do ônibus. Prontamente, ele acorda a última pessoa que dormia:

- Êêêta...!!! Saúúúúde!!!!

Dizem que as críticas aos filhos alheios são refletidas nos próprios filhos."Não fala dos filhos dos outros, que tu paga depois". Então, esses pais falaram! E como falaram! Estão pagando por muitos comentários como "ah, se fosse meu filho!"

Como disse lá no início, eu sou sortudo. É com situações como a desse moleque endemoniado, que me faz refletir bastante sobre ter filhos ou não. Eu sou mesmo sortudo!

domingo, 12 de setembro de 2010

EU E MINHA BARATA

Hoje é domingo, dia de Fórmula 1. É dia de ver Ayrton Senna vencer mais uma e cantar o Tema da Vitória. Depois, monto a minha própria Fórmula 1 de plástico (a Lótus preta e dourada que o Senna pilotava na década de 80) e saio pela calçada, imitando o ídolo. O meio-fio é a zebra; os buracos e imperfeições são os adversários a serem ultrapassados. O motor é a pedal e tem o barulho produzido com a boca. O pit-stop é a entrada de qualquer garagem da ruas Tomás Flores ou General Osório. Ali, tomo uns goles de Ki-Suco de uva e faço o trajeto inverso, reultrapassando buracos e imperfeições. Ao chegar perto da linha de chegada (minha casa), a narração sai incontrolável: "AYYYRTONSENNADOBRASIIIIIIILLLLLL. TAN-TAN-TAN.... TAN-TAN-TAAAAN."

1986: Ayrton Senna e sua Lótus preta

Repetia isso várias vezes ao dia. Tinha que aproveitar o domingo porque nos dias de semana, o movimento era muito grande na minha pista. Pelo formato achatado dos carros de corrida, tinha o apelido de barata - provoquei muitos hematomas nas canelas de pessoas descuidadas, que saíam de casas e escritórios  bem na hora do meu GP particular. "Cuidado com essa barata, guri!", xingava o senhor, esfregando a perna.

Um amigo tinha uma barata igualzinha a minha. Não precisa nem contar dos pegas. Se a calçada já era pequena pra uma barata, imagina pra duas. Tombos e capotagens eram inevitáveis. Mas tudo na mais perfeita paz, sem brigas. E quando escapava a correia das baratas? O abnegado do seu Gabriel da Oficina (in memorian) sempre parava o serviço dele pra fazer a manutenção das baratas. Voltávamos pra pista feliz da vida, sem a menor preocupação em fazer o pagamento pelo serviço.

Hoje, 20 anos depois, passei pelas ruas que muito me serviam de pista de Fórmula 1. Grande parte dos buracos e imperfeições da Tomás Flores e da General Osório continuam lá. Mas não é mais o guri franzino em cima de uma F1 de plástico que desvia deles. Hoje era um cadeirante. Fazia basicamente o mesmo trajeto que eu, só que bem mais devagar e em silêncio.

A comparação foi imediata com meus tempos de piloto-mirim. Mas com algumas diferenças: se estragasse minha barata ou eu não quisesse mais brincar, era só voltar empurrando. Com o cadeirante não foi assim. Ele teve que enfrentar os adversários e ultrapassá-los, obrigatoriamente. Muitas vezes, usando a zebra. Sempre na iminência de uma capotagem.

Ele deve cantar o Tema da Vitória todos os dias, e não só aos domingos, como eu.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

O CASTIGO

Fala-se muito na proibição da tal "palmadinha". Como se isso fosse o pior castigo do mundo. Em alguns casos, isso pode até ser necessário. Eu mesmo, precisei quando criança (e ainda ficaram me devendo algumas). Mas não adianta proibir a tal palmada se os pais continuarem com outros maus tratos.

Há alguns anos, eu trabalhava em uma farmácia como balconista. Era horário de almoço e ia eu tranquilamente pra casa. Ao passar na parada de ônibus de Praça Silvestre Corrêa, vi a singela cena de uma mãe com um filho pela mão, esperando o busão chegar. Que bonitinho!

Fui me aproximando e notando o que guri se espremia todo. Levantava uma das pernas e apertava a mão de sua mãe. Quando estava bem perto deles, escutei o pobre mocinho falar entre os dentes: "Ai, mãe, tô me cagaaaando!!!"

Há 100 metros dali, havia um banheiro público. Como todo o banheiro público, não era um exemplo de limpeza, mas na emergência, serviria. Portanto, a cena não era tão singela assim. E pior que a fala do filho, foi a resposta da mãe: "vai apertar essa bunda, guri!". O que será que ele fez pra estar pagando isso?

Quer castigo maior que esse??? Pior que 20 palmadas! E nesse caso, quem deveria ganhar umas palmadas era aquela insensível mãe, que não sabe da sensação de querer se livrar de algo que não faz mais parte de você. Pobre guri! Não vi como a história acabou, mas ao mesmo tempo que ria da cena, fiquei torcendo pro guri vencer a luta contra o cocô!

terça-feira, 7 de setembro de 2010

PATRIOTISMO: INFELIZMENTE NÃO SOU ADEPTO

Era um 7 de setembro de 1998, eu tinha 16 anos. Naquele tempo, a gente ainda era obrigado a desfilar pela escola, sob pena de ter faltas ou prejuízo em alguma nota. O uniforme não era dos mais bonitos, não: camisa branca, calça e sapato pretos. Do alto da minha rebeldia de adolescente, logicamente eu não queria participar de nada obrigado (muito menos com aquele traje!).

Mas não tinha escolha. Pro meu pai, aquilo era importante. Além do mais, como explicar o desfalque nas notas e presenças? Tinha que encarar o tal Desfile de 7 de Setembro (de camisa branca, calça e sapato preto. Era praticamente um time de garçons). Eu acreditava que meu pensamento era o mesmo de todos os guris da turma: "Será que eles vão ir nesse troço? E vestidos assim?"

Eu tinha que conferir antes de me vestir. Peguei a minha Caloi e fui lá na  Escola Carlos Corrêa da Silveira pra ver o time de garçons. O pior é que a turma estava mesmo lá. De camisa branca, calça e sapatos pretos e de cabelo lambido. E como todos estavam dispostos a encarar, eu também estava. Voltei correndo pra casa. Precisava por o uniforme de garçom pro tal desfile.

Faltava menos de uma hora pro começo do evento cívico. As pessoas já se posicionavam na calçada da rua principal para ver os filhos, netos, sobrinhos e amigos, demostrando todo o "amor" (forçado) pela Pátria. Então, eu precisava me apressar. Ainda tinha que tomar banho e voltar. Acelerei minha Caloi e me mandei pra casa. Última marcha. A todo o vapor!

Mas havia uma ladeira há 200 metros da minha casa. Por ali, a roda dianteira derrapou numa valeta (a rua era de chão batido) e eu voei. Na queda, quebrei o braço esquerdo e esfolei todo lado direito do corpo. Um tombaço! Meu primeiro pensamento, antes mesmo da dor, foi: "Agora não vou mais naquela porcaria de desfile." De fato. Fui direto pro hospital.

Cada vez que falam em Semana da Pátria é desse dia que eu lembro. Chega a dar uma fisgada no braço esquerdo. Tenho péssimas lembranças dessa data. Não sou patriota. Não aprendi a ser, como muitos brasileiros. Sentimento ainda mais fragmentado pela experiência ruim justamente no Dia da Pátria. É uma pena eu não ter o amor que gostaria pelo Brasil.

Queria ter o amor que os chilenos tem pela Pátria deles. Mineiros estão presos na mina e com condições precárias há um mês. Mesmo assim, fazem questão de cantar o hino de seu país. Ganharam, cada um, uma bandeira - e isso é um orgulho imenso para eles. O presidente do Chile, Sebastián Piñera, queria que eles fossem resgatados a tempo para celebrarem o Bicentenário da Independência chilena, celebrada no dia 18 deste mês.

E eles comemorariam. Mesmo que fosse de camisa branca, calça e sapatos pretos. E não precisariam conferir se os colegas estariam vestidos assim. Mas a história dos dois países é mesmo muito diferente.

domingo, 29 de agosto de 2010

NO BOTECO DO AMORIM

Em algum lugar do interior de Encruzilhada do Sul, o Boteco do Amorim sempre foi o ponto de encontro de um certo vilarejo. Aquele boteco clássico de esquina: com duas entradas, prédio antigo (deve ser da década de 1930); paredes altas, pintadas com cal; aberturas em madeira, em tons de vermelho.

O balcão ainda rescende o cheiro de cachaça com Undemberg. Nas paredes do lado de dentro do balcão, as prateleiras repletas de uma variedade de garrafas cobertas de pó. Entre elas, um recipiente com ovos cozidos em conserva no vinagre. Nas bases superiores de cada prateleira, salames e linguiças pendurados por um barbante.

Um recinto bastante simples, mas que reúne há décadas patriarcas, autoridades, peões e bêbados desocupados no início e no fim de cada tarde. Uns vão a cavalo, outros de carroça. Os moradores mais próximos chegam a pé mesmo. Todo o esforço para chegar ao Boteco do Amorim é compensado nos debates - às vezes ferrenhos - que eram replicados em todo o vilarejo.

Entre os assuntos, a política - logico! Por serem do interior, não significa que eram ignorantes no tema. Um exemplo é o João Balaio, capataz da fazenda Sanga Rasa. Ele que defende a opinião de que "se vota na pessoa e não no partido". Dia desses ele veio com essa, mas foi surpreendido pela resposta do seu Juca Moreno. O grande pecuarista pediu um trago de vinho ao seu Amorim e disparou:

- Claro que não, seu João! Como se vai votar só na pessoa? Se o senhor votar no deputado do partido X e no presidente do partido Y, o senhor vai anular o seu voto. Por melhor que seja a intenção do seu presidente, vai ser anulada pelo deputado. Isso se chama o-po-si-ção, seu João.

Comendo um pastel encharcado de gordura, seu João fez sinal de que ia concordar, mas respondeu de boca cheia:

- Mas qual partido escolher, seu Juca? Tão tudo metido em encrenca! - indaga o capataz.

Seu Juca parou, pensou. E quando conseguiu formular uma resposta, foi interrompido por vários militantes presentes no Boteco do Amorim. Cada um deles garantia que o respectivo partido não tinha o rabo preso. Seu Juca preservou sua resposta, enquanto seu Amorim observava tudo detrás do balcão, em silêncio. E o bate-boca continuou até que a discussão foi interrompida por seu Zé do Caroço. O debate o acordou do estado alcoólico:

- Ceis são tudo burro! Tem que votar pra quem nos paga. Um desses galo véio me garantiu que vai me dar uma casa. Novinha! Esse vai pras cabeça! É nesse que eu voto!

Todas as cabeças balançaram na horizontal e o assunto passou a ser futebol. Seu Zé do Caroço não gostou da esnobada dos colegas de bar e ainda seguiu:

- E eu não tô certo , não?

Seu Amorim, o mais sábio e político de todos, se deu conta que votar não é tão simples assim e permaneceu em silêncio.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

O PREÇO DO "SIM"

Bueno... Minha proposta era postar um texto por semana. Nesta, não pude escrever. Mas para manter a média, tive que recorrer aos textos antigos mais uma vez. Este também foi do Unicom/2009. Uma reportagem sobre a vida de uma figuraça aqui de Encruzilhada do Sul. Quem conhece o cara do texto abaixo, sabe que as peripécias dele são reais. Senhoras e senhores: com vocês, o Bié!


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Ele se define como “um cara desorganizado a fim de viver a vida”; “um cara que não sabe dizer não”. Talvez o sim mais relevante de sua vida seja o do dia do casamento. Um casamento que mexeu com Encruzilhada do Sul. Uma cerimônia com ares místicos, envolvendo a cultura indiana. O local do evento foi a simbólica Fonte do Pedroso. No século passado, era lá onde Farrapos e cruzadores paravam para descanso e água fresca; um lugar lendário para a comunidade local. Às 22h do dia 22 de outubro de 2004: tudo pronto. As comidas, os trajes, a autoridade religiosa, os noivos, a decoração, a iluminação. Todos os ingredientes para um final feliz... Se não fosse um detalhe: o casamento era de mentirinha. Pura jogada de marketing.

Clauber Azambuja, o “Bié” realizava um evento em Bagé no ano de 2003, quando conheceu J. Cheverria. Os dois ficaram juntos durante algum tempo e pintou a idéia de fazer um casamento ao ar livre. O amigo Tuca Maya motivou o casal e complementou: “um casamento indiano”. Imediatamente partiram a Porto Alegre para comprar todos os ingredientes da cozinha indiana e itens do vestuário – e nem havia novela da Globo com essa temática.

Ano de 2004.
Era começo do período eleitoral Clauber Bié era candidato a vereador pelo PTB. Não havia muito dinheiro disponível na campanha e tinha de se ter uma jogada que alavancasse a carreira política dele de um modo rápido e barato: “Imagina: a gente ganhou apoio do partido, com santinhos e tal. E se ganha a eleição com essa história do casamento?”, indaga ele. Tuca e Bié contataram a imprensa regional e a cerimônia tinha todos os indicativos de que seria um bom empurrão para a campanha.

Uma semana antes das eleições, Bié casou com J. Cheverria. Ao som de fogos de artifício, cerca de cem pessoas compareceram à Fonte do Pedroso. Entre elas, a sogra, que veio de Bagé acreditando que o casamento era real. Ela gostou da festa, mas nunca deu confiança a Bié. A “brincadeira” envolveu um padrinho de luxo, o atual prefeito e um fim de semana no Conceição Palace Hotel (com a sogra no mesmo quarto dos noivos). “Eu persuadi uma pessoa a casar comigo e ela – a noiva – me persuadiu a casar sério“, lembra Bié.

O casamento durou pouco. Cerca de meio ano. Só que nesse tempo, nasceu Gabriela Cheverria Azambja, o fruto real de um casamento de mentira. “A gente deu uma namoradinha. E foi aí que veio a minha filha”, sorri Bié. A consequência inesperada do casamento prolongou a convivência entre Bié e Cheverria por mais meio ano. Clauber Azambuja seria um vereador que desenvolveria projetos na área da assistência social. Sim. Seria. Porque a armação do casamento como forma de marketing político não deu certo. Aliás, nenhum pouco. Foram apenas 23 votos para o candidato petebista.

UMA VIDA DE SINS – O encruzilhadense Clauber Azambuja nasceu em 1979. Desde a adolescência, o sim sempre ditou sua vida. Definitivamente, ele não sabe dizer não. Além do casamento frustrado, Bié disse sim para muitas outras circunstâncias inusitadas que a vida lhe apresentou. Bastava um telefonema de uma cidade distante e Bié largava o que tivesse fazendo e assumia um novo compromisso:

1995 – Clauber diz o sim mais perigoso: Sim às drogas. Segundo Bié, o único sim de que ele se arrependeu até agora. Ele garante que hoje vive sem drogas.
1997 – Bié vai a São Paulo de bicicleta em busca de patrocínio. O Banco do Brasil disse sim e ele parte de Encruzilhada em janeiro. Ganhava cerca de R$100,00 por semana para divulgar a marca do banco.
1998 – Bié decide dizer sim a uma outra viagem de bicicleta: de Encruzilhada ao Rio de Janeiro. Para ser batizado por nada menos que João Paulo II, na visita dele ao Brasil. Em outubro, o ciclista chegou ao Rio, mas a falta de logística frustrou a tentativa.
1999 – Convite para fazer parte do Mundo Coca-Cola. Uma produtora de gincanas escolares. Bié disse sim e viaja pelo Estado organizando competições.
2000 – O ciclista diz mais um sim. Desta vez, de solidariedade. Muda-se para Santana do Livramento e pedala 24 horas ininterruptas no centro daquela cidade para arrecadar alimentos para crianças carentes.
2001 – Sim ao retorno à Terra Natal. Bié volta a Encruzilhada do Sul depois de dois anos fora.
2002 – Convite dos irmãos para trabalhar no Uruguai. Sim! Cursos de cabeleireiro, pedaladas, músicas...
2004 – O mais simbólico sim. Bié casa-se com J. Cheverria
2005 – Bié trabalha como narrador de corridas automobilísticas em Santa Cruz do Sul
2008 – Juvêncio Silva diz sim a Bié. O empresário abre as portas da fazenda, onde Clauber “Bié” o assessora.
2009 – Durante uma vida inteira de sins, Clauber já compôs mais de duzentas músicas e, se ganhasse na Mega-Sena, diria um sim à produção musical.

domingo, 15 de agosto de 2010

O OVO E O OLHO ESQUERDO

Você vai rir. Tenho certeza. Se prepare! Você vai rir, mas o problema é sério. Se eu comer ovo, me dói o olho esquerdo (eu disse que você ia rir!). Mas é verdade: não sei por que cargas d'água, a reação quanto à ingestão do ovo se dá no globo ocular esquerdo.

Com o tempo, descobri que o ovo não era o único causador da dor no olho esquerdo. Alimentos gordurosos e de difícil digestão, como o bacon, também provocam uma pressão insuportável no "farol" esquerdo (se ingeridos em excesso, lógico). Mas o grande vilão é mesmo o ovo. Já virou piada entre os amigos: Se reclamo de dor no olho, todo mundo já sabe que comi ovo.

Já perguntei a alguns oftalmologistas sobre isso. O último deles nem respondeu. Só baixou os olhos e balançou a cabeça. Isso deve ser problema endócrino. Sei lá! Só sei que, se um dia me convidar pra fazer uma refeição na sua casa, cuidado com o cardápio. Omelete de bacon, nem pensar!

Outro dia, fui convidado para jantar na casa de um casal de amigos. Foi um dilema pra escolher o cardápio. Um não gosta disso, outro não gosta daquilo - e eu não posso comer ovo que me dói o olho esquerdo. Decidimos pela canjiquinha (com pedaços magros de carne suína). Uma maravilha que merece ser prato único. No máximo, um feijãozinho pra acompanhar.

Eis que chega um outro convidado - atrasado e desavisado do cardápio.


- Boa noite! Desculpe o atraso. Hum... o cheiro tá bom! Qual é a boia? - indaga.

- Boa noite! Vamo chegando... A boia é canjiquinha com carne de porco - responde o anfitrião.

- Canjiquinha?

- Sim. Não gosta?

- Até gosto. Mas não posso comer. Me coça a orelha direita. Um horror!



Ficou só no feijão!

domingo, 8 de agosto de 2010

DESABAFOS DE UM CARECA

Marcelo Tas, o careca mais famoso do momento, disse em seu blog: "O trauma sobre a calvície vai até uns 25 anos. Sou careca ou não sou? Mas, a partir do momento em que você diz 'eu sou careca', você se torna uma pessoa mais bonita" E completa: "Eu sou careca por uma habilidade espiritual. Fui me aperfeiçoando até ficar assim". Pois bem. Eu me considero CARECA desde os 16 anos - tive algumas recaídas, mas a careca sempre predominou. Segundo a filosofia tasiana, posso me considerar um ser bonito, espiritualmente evoluído - não como o mestre, mas estou a caminho.

Ser ou estar careca é bom, prático. Mas causa incômodos nas pessoas que nos cercam. Todo inverno é a mesma coisa: "Credo, guri! Não tá com frio nessa cabeça?". Tem aqueles mais curiosos: "Tu raspa a cabeça todo o dia?". Outros ainda mais desaforados "Por que tu não deixa o cabelo crescer?" São perguntas delicadas, com respostas ainda mais delicadas. Principalmente pela reincidência. Para (tentar) esclarecer esses pontos de uma vez por todas, resolvi conceder um entrevista e publicar as curiosidades e desabafos de careca. O repórter é o renomado (?) jornalista José Esquinredi. Abaixo, a entrevista na íntegra:


JOSÉ ESQUINREDI - Qual foi o motivo que lhe levou a aderir ao carequismo?






URGEL SOUZA - Olha... Foi uma aposta comigo mesmo. Na 8ª série disse: "se eu passar de ano, vou raspar a cabeça." Não acreditava que pudesse ser aprovado por isso fiz essa "promessa". Até hoje não sei se passei mesmo ou os professores me aprovaram por sacanagem, só pra me ver sem cabelo. O fato é que, a partir daí, aderi à raspagem semanal. Comecei com o pente nº 4 na parte de cima, com o nº 3 dos lados. Depois, só fui baixando, até chegar no nº 0. O cabelo é ruim mesmo! Não perco nada.

JE - Ouvi dizer que você usa shampoo. Mito ou verdade?







US - Verdade! Só porque não tenho cabelo não posso usar shampoo? A gente deve cuidar da careca como cuida do rosto. Experimente fazer a barba com sabonete. O rosto fica todo repuxado e seco. Com a careca é a mesma coisa. Uma colher de chá de shampoo é suficiente. Para aqueles que raspam com Gilette, o mestre Tas ensina: "Neutrox pra evitar o ressecamento e melhorar o brilho."




JE - Como o careca se vira no inverno?








US - Cara, sinceramente: eu não sinto frio na cabeça. Todo mundo me pergunta isso. O frio que pega na careca é o mesmo que pega no rosto. Sinto frio nas orelhas, como todo mundo. Mas isso não depende de ter cabelo ou não. A touca resolve bem o problema.



JE - Seu cabelo cresceu até que tamanho?







US
- Já fui cabeludo. Alguns anos antes de raspar pela primeira vez, eu tinha um juba. Juba mesmo! A franja passava quatro centímetros do queixo. Coisa horrorosa! Não dá nem pra lembrar. Imagine um ser com 1,75m, 57kg, no qual o cabelo é a parte mais larga do corpo.

"...o cabelo espalhado
pelo vento chamava mais
atenção que a bermuda."


JE - Há registros disso?







US - Infelizmente, sim. Quando estive na praia de Pinheira - SC, foi tirada um foto minha com uma bermuda verde-limão, com detalhes em laranja fosforescente, branco e preto. Mas o cabelo espalhado pelo vento chamava mais atenção que a bermuda.




JE - Você não tem saudades da cabeleira?

US - E você? Tem saudades dos seus?

JE - !!!

US - ...

JE - Ser careca está na moda?

US - Talvez. Na antiguidade, quem raspava a cabeça eram guerreiros ou reis (esses, tinham a genética propícia pra isso. Depois, ser careca estava relacionado à rebeldia. Mais tarde, veio os Skinheads, que eram sinônimo de violência. Veio, então, a expressão atitude - quem raspa a cabeça representa a atitude. Eu não acredito em nada disso. Acho que cada um tem o cabelo que quiser, independente do que signifique. Mas por favor... Não me venha com aquele cabelo que faz a volta por trás da cabeça de orelha a orelha; nem com aquela careca disfarçada por cabelos mais compridos (uns chegam a atravessar os cabelos maiores de um lado para outro)... muito menos com a famosa "cabecinha de motel" (aquela com duas entradas e uma cama redonda atrás). Isso sim, nunca teve na moda. Raspe d'uma vez!

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

EU MATEI MEU CACHORRO

Durante o enterro, o nó na garganta era inevitável. Lágrimas brotavam incontroláveis. Eu mesmo o enterrei, no fundo do pátio. Cavando a sepultura, cada pazada era dada com força. Não só pra vencer o solo duro, mas por indignação! Quem teria matado meu cachorro? O parceiro das horas de folga; aquele que permanecia em silêncio, me olhando, enquanto descascava laranja depois do almoço. Aquele que gostava de futebol, assim como eu - principalmente se a bola fosse um limão.

Xiru era aquele modelo clássico de cão: porte médio-grande, pelo comprido, orelhas firmes e sempre erguidas; cauda grande e peluda, focinho afinado... como um Pastor Belga, só que em tom alaranjado. Era dócil com crianças e adultos mais chegados, mas feroz com invasores. Tinha um latido grosso que botava repeito em quem entrasse nos seus domínios. "Aqui tem dono e eu sou o responsável pela segurança desta casa", de certo dizia ele a um desavisado que entrava no pátio.

Chegou na minha casa numa caixa de sapato, parecia que não ia crescer muito. Cresceu! E se tornou o sentinela da casa. Durante a infância canina, despertou a minha ira com um costume de todo cachorro-guri: puxar as roupas do varal, suja-las e exibi-las como um troféu. E essa mania custou pra passar. Porém era perdoado quando, diariamente, depois do almoço, vinha me dar a pata como quem pede desculpas.

Um dia, cheguei em casa e, como sempre, chamei por ele. Nada. Fui lá no galpão, onde tinha o seu vai-e-vem. Ao ver a corrente esticada, já me dei conta: "O Xiru morreu! Quem matou o meu cachorro? Garanto que foram esses ladrõezinhos de merda que não se atrevem a entrar com ele aqui. Filhos da mãe!"

Parei por alguns instantes pra digerir a imagem. Aquele cadáver endurecido não iria mais ser o companheiro silencioso do pós-almoço; não faria mais o barulhento futebol de limão. Quem teria matado o meu cachorro? Não sabia do assassino, mas sabia que não era um ser digno da boia que come. Resolvi enterra-lo no seu local de trabalho, uma homenagem aos serviços prestados. No seu túmulo, foi também a coleira e a corrente - não seriam de nenhum outro cão. Depois do sepultamento, um "vai com Deus, parceiro".

Na hora de guardar a pá que fez sua cova, a revelação da morte. Um fio da tomada solto e desencapado balançava próximo onde Xiru estava. Me dava conta que quem matou meu cachorro fui eu mesmo! Imaginei como teria sido triste sua morte, por culpa da minha relapsia.

Se passaram dois anos da morte do Xiru. Outros cachorros ocuparam seu posto. Mas aquela lembrança do cachorro no fundo do galpão com olhos esbugalhados e a língua de fora não me sai da memória. Às vezes, perdido em lembranças, me pego dando a pata pro Xiru pra pedir perdão - como ele fazia humildemente pra implorar minha absolvição.

domingo, 1 de agosto de 2010

CADÊ O PORTÃO?

Em março deste ano, um fato (no mínimo curioso) se assucedeu em frente a porta da minha casa. Tive o portão roubado. Sim, o portão. Todo mundo se pergunta: "Mas não tem mais nada pra roubar?". A indignação rendeu uma crônica que foi publicada na Rádio 87,9 e no Jornal 19 de Julho. Recentemente, uma outra vítima do ladrão de portões - só que, desta vez, em Porto Alegre. Vale a pena reacender o tema: Tá aí o texto:

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Seria cômico, se não fosse trágico. O portão da casa foi roubado na madrugada desta quinta-feira. Em uma de suas músicas mais conhecidas, Roberto Carlos disse: “Eu cheguei em frente ao portão. Meu cachorro me sorriu latindo.” Pois é. Se ele me visitasse hoje, encontraria só o cão - e latindo de raiva. Ladrões arrancaram a estrutura de metal de cerca de um metro quadrado. Com a audácia, os manganões não levaram só a porta de entrada da minha residência, localizada no fim da rua Dom Feliciano. Levaram muito mais. Como outras vítimas, tive minha segurança seriamente subtraída.

Há muito tempo, os moradores do bairro Lava-Pés e arredores não podem estar tranquilos nem mesmo dentro de suas residências. Correm boatos de que é cobrado pedágio durante as noites e madrugadas dessa região. Passar por lá torna-se perigoso e morar também. O roubo do portão é um exemplo disso. Um portão como aquele custa em torno de duzentos reais. Tenho condições de repor, mas não é o preço dele que importa (ao menos o preço de mercado, não). O que realmente interessa é a causa e a consequência do roubo. Provavelmente foi trocado por uma ou duas pedras de crack logo abaixo da minha casa. E o pior: Não está livre de levarem o próximo portão que vai ser reinstalado ou mesmo de invadirem qualquer outra residência, inclusive a minha.

Ladrões sempre existiram e sempre vão existir. Mas o crack potencializa radicalmente esse problema. Isso afeta a saúde pública, segurança e convivência dos moradores de Encruzilhada do Sul. Já foram criados ONG’s, realizados seminários, manifestos públicos… Mas só se vê o consumo da droga aumentar junto com a sensação de impotência. Se um dia as autoridades tomassem uma atitude em relação a isso, talvez pudesse cantarolar a música do Rei Roberto ao chegar em casa dizendo que “… tudo está igual como era antes. Quase nada se modificou. Acho que só eu mesmo mudei.”

Urgel Souza, março de 2010.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

ONDE ESTÁ "GENTILEZA" NUMA HORA DESSAS?

Você já ouviu falar no "Gentileza"? Sim, no masculino... "O Gentileza". José Datrino ficou famoso na década de 80 por fazer inscrições nos muros do Rio de Janeiro. Mas não eram quaisquer inscrições.

Eram frases incentivando a gentileza, palavras que até hoje fazem as pessoas pensarem sobre a sua existência na Terra e a convivência com o resto da humanidade. "Gentileza gera Gentileza" talvez seja tua frase mais famosa e lhe rendeu a alcunha de "Profeta Gentileza". Impossível ficar inerte diante de suas frases - algumas falavam de compaixão, outras de crítica ao mal-estar do mundo.

"Gentileza" morreu em maio de 1996, aos 76 anos. Aos poucos, suas palavras também foram morrendo. As inscrições foram danificados por pichadores e vândalos. Mais tarde, os murais foram cobertos por tinta cinza. A recuperação das inscrições do "Gentileza" foram através de homenagens em instituições e nas artes. Duas músicas foram compostas com seu pseudônimo.

"Feito louco / Pelas ruas / Com sua fé / Gentileza / O profeta / E as palavras / Calmamente / Semeando / O amor / À vida / Aos humanos" diz a canção de Gonzaguinha.

Marisa Monte lamenta: "Apagaram tudo / Pintaram tudo de cinza / Só ficou no muro / Tristeza e tinta fresca."

Toda a história de "Gentileza" me faz refletir como estão os muros de Encruzilhada do Sul. Nessa época, quem tiver alguma intimidade com tinta, pincel e esquadros, está com os bolsos cheios. Propaganda política. "Vote nele! Vote naquele!". Uma poluição visual que põe em dúvida sua própria eficiência.

Em convenção, os partidos políticos estipularam uma propaganda por propriedade (exceto quando o terreno é de esquina - o que permite dois anúncios de quatro metros quadrados cada, um em cada rua). Dois metros por dois! Você cabe dentro do anúncio em pé e com os braços abertos. Quatro metros quadrados de propaganda política. Com a débil credibilidade da classe política, essas são dimensões desperdiçadas, enquanto meio metro quadrado de "Gentileza", já bastaria.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

CUIDADO QUE O BRUNO TE PEGA!

Uma das principais testemunhas do caso Bruno é encruzilhadense. Sim. Não é bairrismo. Milena Baroni Fontana era amiga de Eliza Samudio, segundo informações do Jornal carioca “O Dia”. Esse fato me fez pensar sobre a cobertura do caso e, mais tarde, me causou uma crise de riso. Siga a leitura e entenda minha situação.

Noite dessas, o latido dos cães da rua entraram no meu sonho. Sonhava eu, que alguém invadira o meu pátio e os cachorros latiam enlouquecidamente, na tentativa de expulsar o intruso. Quem era o intruso? Adivinha... O ex-goleiro flamenguista Bruno, acusado de matar Eliza Samudio (sonho, é sonho, né?).

- Que diabos o Bruno estaria fazendo no pátio da minha casa? Teria ele fugido da cadeia e parado aqui, em Encruzilhada do Sul? E logo na minha casa? Estaria ele atrás da principal testemunha do caso, a encruzilhadense Milena Baroni Fontana?

Já estava remoendo ideias para tentar explicar a presença dele no meu pátio e armando estratégias para tentar capturá-lo. Claro, sentia medo que ele poderia fazer comigo – já que está sendo acusado de matar e esquartejar a mulher. Cheguei a achar que Bruno poderia querer me atirar aos Rottweillers. Mas acabei acordando e me dei conta de que os latidos eram por causa de um outro cão.

Não é preciso ser psicólogo para entender que esse sonho está relacionado à massiva cobertura do caso Bruno pela mídia. O cara tá em todos os lugares! Internet, TV, rádio, jornais. Indiretamente, chegou aqui, na minha cidade. Pô, já to até começando a acreditar que o cara é um assassino sanguinário. E não é, né!? Bom, sei lá!

Se é ou não é, piadas de humor negro já caíram na boca no povo: "Esse Bruno é de matar". Casais já brincam de discutir nessa temática: "Tu não te fresqueia, muié... Óia que eu te atiro pros Rottweillers". Crianças já não acreditam em Bicho-Papão. "Cuidado que o Bruno te pega", dizem os mais sarcásticos pais.

Com tudo isso, impossível não se irritar com a cobertura exagerada da mídia. Impossível não sonhar com Bruno. Quem ainda não teve o ex-goleiro como personagem dos sonhos, ainda terá. O abominável monstro da mídia vai te pegar! Vai atormentar seus sonhos! Às vezes, ele se disfarça de goleiro. O lado bom disso tudo é que depois cai na boca do povo e vira piada. A comunicação tem dessas!

segunda-feira, 19 de julho de 2010

UM FIM DE TARDE DAQUELES

Fim de tarde. Um fogo na lareira, um mate feito a capricho, chocolate meio amargo... tudo ia bem. Até o vento começar a rebojar fumaça pra dentro. Foram usados todos os recursos: o fogo foi empurrado mais profundo, o registro da lareira foi usado de todos os jeitos (bem aberto, semi-aberto, bem fechado, meio termo). Quando parecia que tudo estava resolvido, uma rajada de vento enchia a sala de fumaça.

"A esperança é a última que morre", dizia a minhoca na boca do lambari. O pensamento era positivo. "O fogo vai se ajeitar. Quando se ajeitar, a fumaça vai acalmar." Então me sentei no sofá, com os olhos meio turvos e servi um chimarrão. Quebrei um pedaço do chocolate meio amargo e saboreei os dois, ao mesmo tempo. Fechava os olhos - não para concentrar no sabor, mas pra me proteger da fumaça.

Uma nova rajada de vento trouxe mais fumaça pra sala, que recém começava a esquentar. Tive de abrir as portas e janelas pra fumaça sair. Voltei ao sofá. "Agora vai!". E foi. O vento deu um tempo - curtíssimo. Mais vento, mais fumaça. Neste instante, enchia mais uma cuia de chimarrão. A raiva foi tanta, que acabei queimando a mão com a água quente.

"Agora chega!". Enchi uma jarra d'água e acabei com as labaredas. Sem fogo, sem fumaça. Me enganei mais uma vez. Mesmo sem fogo, a casa estava cada vez mais defumada. A solução foi molhar uma toalha e jogar na lareira. Resolveu! Sem fumaça... Chegou a dar dor de cabeça.

Porém a raiva e o cheiro me impediam de ficar em casa. Propus uma bóia na casa de um amigo. Quem sabe boas risadas pudessem amenizar o stress daquele fim de tarde terrível. Antes, tive que comentar com ele sobre o desastre da fumaça. "Tche, nem te conto. Fui fazer um fogo e não deu certo. Enchi a casa de fumaça." Sabe o que ele disse? Exatamente a mesma coisa - e ainda completou dizendo: "Aqui também. Eu atirei água na lareira."

domingo, 18 de julho de 2010

GRITOS DE UMA MORTE NECESSÁRIA

Quatro homens e uma mulher são testemunhas de uma morte necessária... O animal está ali, na mesa, com o peito exposto para cima, com cada pata calçada. A daga invade o peito e fura o coração. O berro é forte e agonizante, como se a alma fosse desgrudada do corpo.

As pessoas se entreolham no momento em que cessam os gritos e os movimentos do animal e, como num código predefinido, começa o serviço. As patas são imersas em uma cambona de água fervendo pra "desabotoar os cascos". A raspagem dos pelos é feita por todos, ao mesmo tempo. O suíno precisa estar limpo para ser aberto e desmembrado.

A daga, que lhe matara há poucos instantes, agora abre o peito e a barriga. As vísceras são retiras, o sangue é todo recolhido. A carne é separada, a banha (ou toucinho) e a pele também são reservadas. Cada parte do corpo do porco tem uma utilidade: as patas, as orelhas e a pele viram ingredientes pro feijão. O toucinho vira banha e torresmo. A carne pode ter três destinos: consumo de subsistência, linguiça ou comércio. O que sobra vira queijo, morcela ou charque.

Diz o ditado popular que, do porco, só não se aproveita o grito. Mas, de certa forma, o berro também é aproveitado - para entender sobre a morte do próprio porco. Principalmente por aqueles que não estão acostumados com a lida da campanha; que não entendem que a morte, às vezes, é imprescindível para a sobrevivência dos campesinos.

No interior do município de Encruzilhada do Sul, ainda existem lidas quase artesanais, como as carneadas. O que pra uns pode parecer uma brutalidade, para outros, é uma prática que faz parte do cotidiano. A partir daquele grito de agonia , começa o serviço. O serviço garante a subsistência. Quatro homens e uma mulher são testemunhas de uma morte necessária...

sábado, 17 de julho de 2010

FAZENDO ARTE ATRÁS DA PORTA

Quando era aluno de Comunicação Social/Jornalismo, da Unisc, fui encarregado de fazer uma crônica para compor o Unicom (Jornal experimental do curso). Logo abaixo, está ela. Fala sobre as peripécias que acontecem nos banheiros masculinos (e talvez femininos) da Universidade de Santa Cruz do Sul. É por causa de situações como essa que tenho saudade do termo "estudante". Boas risadas!


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Alguém já leu o que tem escrito atrás das portas dos banheiros masculinos da Unisc? Tem de tudo! Lista de meninas, pornografia, (anti) alusão às drogas e ao Nazismo... e por aí vai! Tem até jogo interativo. Algum usuário desenhou o “sustenido” do jogo da velha e marcou a primeira jogada (foi importante a sinceridade do primeiro jogador). Em seguida, outro, de necessidades mais demoradas, marca a segunda jogada. A competição segue e, por pura sorte, só o vencedor sabe que venceu.

A parte interna das portas dos banheiros do curso de Comunicação Social causa risos incontroláveis. Outro dia, estava usando o banheiro do bloco 12. Depois de ler várias manifestações de pensamento, vi uma frase bem pequena lá em cima, no alto da porta. Forcei a vista, mas não consegui ler. Pensei em levantar, mas desisti (isso se mostraria mais tarde uma ótima idéia). Depois do “serviço” feito resolvi conferir o que havia escrito lá: “Se você está lendo isso AQUI, senta que ta c... fora do vaso”.

A “arte” atrás das portas dos banheiros começou a me despertar mais curiosidades. Um belo dia fui ao banheiro da Biblioteca Central. Lá, ao que parece, não poderia ter tanta bobagem atrás das portas. Afinal, é um ambiente intelectual, de estudo. Mero engano. Lá se encontram as mais engraçadas traquinagens. Um usuário não teve paciência para riscar a madeira dura da porta e foi mais prático (e criativo). Colou um adesivo atrás da segunda porta com o seguinte dizer: “Não força senão estoura a hemorróida”.

Quando precisei usar novamente o banheiro da Biblio, procurei variar de porta. Quando a vontade não era tão urgente, me excursionava a outros WC’s do Campus. Naquele do Centro de Convivência, há uma ótima: “A maconha causa ‘perca’ de memória e outras coisas que eu já esqueci”. O erro de grafia causou comentários calorosos logo abaixo, difamando o maconheiro semi-analfabeto. Encerrando a discussão, a seguinte frase é categórica: “Shhh.... silêncio! Tô fazendo cocô!!!”

Um dia, passava pelo bloco 1 e a necessidade fisiológica se manifestou. Logo pensei: “Hoje tem frases novas. Ainda não vi que há por trás das portas desse banheiro”. Entrei na primeira porta. Estava desafivelando o cinto, quando olhei pra parte interna na porta. Não havia nada escrito. Decepcionei-me. Afivelei o cinto novamente e me dirigi aleatoriamente à última porta. Não havia vaso, era um espaço com chuveiro, próprio para banho. Havia somente mais uma porta.

Será que o pessoal daquele bloco seria mais civilizado que o restante da Unisc? Será que aquele seria um banheiro sem “arte” atrás das portas? Bom, a necessidade fisiológica deu sinal que não havia muito tempo disponível e entrei na porta do meio. Ao desafivelar o cinto pela segunda vez, o olhar para a porta foi automático. Lá também não havia nada escrito, mas tinha algo ainda pior. Três borrões marrons. Rastros de dedos. Que horror! Definitivamente, o bloco 1 não é o mais civilizado da universidade! Prefiro o jogo da velha.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

OMELETE DOLORIDO... Uhhhhhh!!!!!!! (Memórias de uma tragicomédia)

Ginásio Mesquitão, treino de futsal dos universitários. Três minutos de jogo. Seria o meu terceiro toque na bola. O adversário avançava pela intermediária esquerda e eu me apresentei automaticamente para marcá-lo. Depois de não ter mais opção, o adversário chuta. Um bico... que foi interceptado por uma parte incomum do corpo: os testículos! De baixo pra cima... Em cheio!

No primeiro segundo, o grito foi maior que a dor. A partir daí, a dor aumentava até suprimir a voz por completo. Subia para a região abdominal e causava fortes náuseas. Os pulmões deixavam entrar somente a quantidade de ar necessário para não morrer sufocado. A dor atinge o grau mais elevado e as pernas travam em um ângulo de 90º. Companheiros de time e adversários se uniam na tentativa de ajudar. Alguns tentavam esticar as pernas para relaxar a região pubiana, outros apenas com apoio moral - tudo em vão. A dor não dava trégua!

Depois de longos 3 minutos me contorcendo de dor na quadra, consegui me erguer com a ajuda de alguns colegas de time e fui em direção à casamata. Lá me sentei com muita dificuldade no primeiro dos três degraus. Pela primeira vez, o ar percorreu toda a cavidade pulmonar, mas dor ainda era muito intensa. Tentei olhar o resto do jogo pra ver se me detraia, mas os jogadores que estavam de fora naquele momento, me obstruíram a visão.

Então percebi que o volume geral foi baixando. Pensei: "Ué? Mas eu estou vendo os guris conversarem... eles estão falando... as bocas estão se mexendo!!! Como não consigo mais ouvi-los?". Então, a visão periférica foi sumindo. Eis que tive outro pensamento, desta vez de alívio: "Finalmente vou desmaiar! Graças a Deus!". Porém num ato instintivo, o diafragma forçou a entrada de mais ar nos pulmões e o volume geral foi voltando ao normal, como a visão também foi restabelecida - mas a dor continuava! Incessante!

Voltar pro jogo? Nem pensar! O jeito é ir embora. O mais devagar possível, com as pernas levemente afastadas. Depois de vinte minutos de uma árdua caminhada, cheguei em casa. Consegui sentar em frente ao computador. Lembrando do acontecido, não sabia se ria ou se chorava. Coloquei no nick do MSN: "Omelete dolorido. Uhhhhh". Não deu dois minutos, o primeiro curioso perguntou o que acontecera. Ao contar a história pra esse curioso, conclui: "É uma situação tão dolorida que não vale a pena nem ser relembrada”. O nick foi retiado e a dor foi gradativamente cessando.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

ELIANE BRUM E MATE FRIO

Para ler Olho da Rua, de Eliane Brum, merece um mate feito a capricho. Daqueles de cuia larga, espumado e com topete grande. Ao servir a primeira cuia, a certeza era de uma leitura regada com um mate quente no frio fim de outono encruzilhadense. Ledo engano. Durante a leitura, o mate, feito com tanto esmero, foi esquecido, recostado ao porta-cuia, junto à garrafa térmica. Isso, porque a leitura das dez reportagens foi espontânea, fluente. “Uma repórter em busca da vida real”, que conta histórias de pessoas ditas “comuns”. Já no prefácio, o conterrâneo Caco Barcelos promete: “Ela renasce e se recria a cada reportagem.”

Durante os textos, Eliane repete as expressões “dia comum”, “pessoa comum”. Ao mesmo tempo, consegue descrever cotidianos fantásticos, como aqueles lá do “útero da floresta”: a eterna luta entre brancos e índios; as parteiras que contestam os médicos; a busca desenfreada pelo ouro. Todas elas acompanhadas de comentários que contam os bastidores que ensinam muito de outro cotidiano - o de repórter. É essa, talvez, a melhor parte do livro. Trazendo os ensinamentos e as sensações da jornalista durante cada reportagem. O verde da floresta fazia lembrar o chimarrão, que esfriava ao lado.

O mate frio foi tomado rapidamente para servir outro (quente) e, assim, acompanhar o próximo capítulo. A casa de velhos foi uma das melhores reportagens, porque nela, rir e chorar são emoções quase incontroláveis. Ao contar a vida de moradores da Casa São Luiz para a Velhice, autora é fiel aos detalhes. Esses detalhes nos remetem às perguntas “quem somos?”; “de onde viemos?” e “para onde vamos?”. Velhos com histórias diferentes que acabaram num mesmo lugar. Um asilo. Lá, segundo Eliane, um cotidiano variado, composto de angústias e medos, mas também de alegrias e namoros na terceira idade.

Em O homem estatística, Hustene Alves Pereira ilustra um outro tipo de pobre. Ele sentiu as pequenas conquistas de uma vida dura escorrerem entre os dedos. Um texto magnífico. Mas o que mais impressiona é o comentário dele. É lá que Eliane Brum revela duas coisas: a habilidade jornalística e a proximidade com suas fontes. “Fui encarregada de fazer uma reportagem sobre pobreza. Comecei a pensar no que poderia dizer que já não houvesse dito”, conta a autora. Para chegar ao resultado, ela dá a receita na página 240. “Acredito que as melhores reportagens são resultados de uma pauta que se complicou”. Encontrou Hustene e, a exemplo do primeiro livro, novamente viu a vida que ninguém vê. A relação com Hustene e a família foi muito além da reportagem. “Nas noites de plantão, sozinho, me ligava”, afirma ela.

Ver o que ninguém vê em Olho da rua não foi exclusividade de Eliane Brum. As fotos, conforme a própria autora, é um dos complementos do livro. Na página 74, ela confessa: “Ele (fotógrafo) capaz de perceber delicadeza até nas pedras, via o que eu não enxergava”. A fidelidade da foto é parecida com a fidelidade do texto. Em vários momentos ela reafirma sua honestidade com a(s) fonte(s). Para Eliane, é apenas “a possibilidade de reafirmar a vida possível”. Mais um mate esfria na cuia. Somente ao fim de cada capítulo, é possível tomar o intragável mate frio e encher a cuia de novo, na esperança de um chimarrão quente.

Contar uma história em primeira pessoa foi um ponto questionado pela própria repórter em O inimigo sou eu. Mais uma vez, Eliane Brum mostra sua principal característica: fidelidade ao fato, às sensações vividas por ela mesma. A escolha pela primeira pessoa foi justifica no fim do livro: “Percebo o que é essencial na hora em que acontece”, explica. Já no início, as parteiras da Amazônia já falavam sobre o tempo das coisas. Eliane encarna a própria parteira Juliana Magave de Souza e diz que a reportagem deve ser preferencialmente de parto normal, escutando, prestando atenção a cada gesto, trajeto e passar tudo isso para o papel. “Foi quase uma psicografia de gente viva”, diz na página 38. Eliane Brum complica a pauta, muda e (re)constrói conceitos de Jornalismo. Vai além de “reafirmar a vida possível”. Ela testemunha a morte de Ailce de Oliveira Souza. Isso faz com que qualquer pessoa se surpreenda com seu texto e, que qualquer autoridade assine em baixo. Como uma repórter pode ver o que ninguém vê? Mágica? Sorte?

Quando o jogador de futebol Paulo Roberto Falcão chegou à Itália, na década de 80, disseram a ele que o seu futuro time, o Roma, não tinha sorte. Assim como Eliane Brum, ele também desconstruiu conceitos. Disse que sorte e azar não existem no futebol. O que existe é competência e incompetência. No jornalismo também é a assim. Em meio a discussões sobre a obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão de jornalista, a competência deve ser o diferencial para ter garantia no mercado de trabalho. Um trabalho bem apurado e fiel aos fatos sempre terá lugar no bom jornalismo. Como faz Eliane Brum em Olho da rua, retratando pessoas comuns com uma competência venerável. Assim, ela ganhou quase 40 prêmios e foi a responsável por esfriar várias cuias de chimarrão Brasil a fora.