sábado, 18 de setembro de 2010

NO BOTECO DO AMORIM (II)

O bar já estava sem movimento há três dias por causa da chuva. Os fazendeiros, peões e moradores da redondeza não saíam muito de casa, exceto para comprar algumas miudezas domésticas. Só compravam o necessário e já iam embora. Os debates estavam escassos no Boteco do Amorim.

Mas numa segunda-feira, o dia amanheceu com céu limpo e seu Amorim tinha a certeza de que a semana começaria diferente. Com o sol, voltariam também os frequentadores e seus debates. Por isso, a fachada merecia uma faxina, bem como o interior do bar. Mesas e cadeiras de madeira na rua e a vassoura caseira entrou em ação.

Depois da faxina, seu Amorim se dedicou a tirar os pó das garrafas. Empoleirado num banco de madeira, ele seguia assobiando um milonga enquanto limpava as garrafas de vinho, cachaça e refrigerante. O assobio foi interrompido por um "Ôh, de casa". Seu Amorim desceu do banco e foi ver quem estava chegando. Não era assim que os frequentadores usuais chegavam no boteco. Um sujeito de terno e gravata , devia ser alguém da cidade.

- Pois não, seu Doutor! - recepciona seu Amorim

- Deixe o "Doutor" de lado, seu Amorim. Eu sou apenas um amigo, que veio lhe fazer uma visita.

Seu Amorim sabia que aquilo não era apenas um amigo. E também sabia que aquela não era uma simples visita. Os papéis com foto e alguns números colados no peito do visitante não lhe soavam como uma visita comum. Era um candidato que lhe visitava. Uma era visita puramente estratégica.

O dono do bar jogou o pano no ombro, foi na rua pegar uma mesa e algumas cadeiras e recolocou-as dentro do boteco. Serviu uma cerveja gelada e um pastel ao "homem da cidade" e pra mais dois que lhes acompanhavam.

Depois de um elogio demagogo ao quitute (feito pela dona Maria Alzira, mulher de seu Amorim), os políticos já tomaram a dianteira da conversação, falando que estavam ali para tratar dos problemas daquele vilarejo.

- Pois é, seu Amorim. O nosso governo já fez muito pela sua comunidade, mas ainda tem muito a se fazer. A gente trouxe asfalto até aqui pertinho. Mas temos muito pra fazer ainda. Então, estamos aqui pra pedir o seu apoio. Sabemos que o seu bar é bastante frequentado aqui.

Seu Amorim balançou a cabeça, recolheu os pratos e  disse que todo ano eleitoral os candidatos sempre falavam a mesma coisa. Todos tinham o mesmo discurso. Os políticos notaram que a receptividade do dono do bar não foi das melhores. Então, deixaram alguns santinhos e foram embora em seguida, prometendo voltar.

À tardinha, regressaram os frequentadores do boteco. Seu Amorim contou da visita e os debates foram até o início da noite. No dia seguinte, eis que chega mais um candidato. Diferente do primeiro, esse vestia uma roupa mais simples. O discurso era diferente também. Este, dizia que o governo não fez nada pra comunidade e que ele sabia como resolver os problemas de lá. Prometia estradas, desenvolvimento e postos de saúde. 

Os debates reacenderam. Cada um com seu ponto de vista. Uns brigaram, mas seu Amorim apaziguou todos os desentendimentos. Ele lembra bem desta feita: era um setembro de 1994. As brigas continuam iguais até hoje. Os discursos também, 16 anos depois.


2 comentários:

  1. Poderia terminar o texto assim:
    e 16 anos depois, nada de asfalto, postos de saúde, ..., e, de novo, apareceram os "candidatos" prometendo, prometendo, prometendo, ...

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  2. Muito bom o blog Urgel!!
    Show de bola!!
    abraço!
    Beto

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