domingo, 12 de setembro de 2010

EU E MINHA BARATA

Hoje é domingo, dia de Fórmula 1. É dia de ver Ayrton Senna vencer mais uma e cantar o Tema da Vitória. Depois, monto a minha própria Fórmula 1 de plástico (a Lótus preta e dourada que o Senna pilotava na década de 80) e saio pela calçada, imitando o ídolo. O meio-fio é a zebra; os buracos e imperfeições são os adversários a serem ultrapassados. O motor é a pedal e tem o barulho produzido com a boca. O pit-stop é a entrada de qualquer garagem da ruas Tomás Flores ou General Osório. Ali, tomo uns goles de Ki-Suco de uva e faço o trajeto inverso, reultrapassando buracos e imperfeições. Ao chegar perto da linha de chegada (minha casa), a narração sai incontrolável: "AYYYRTONSENNADOBRASIIIIIIILLLLLL. TAN-TAN-TAN.... TAN-TAN-TAAAAN."

1986: Ayrton Senna e sua Lótus preta

Repetia isso várias vezes ao dia. Tinha que aproveitar o domingo porque nos dias de semana, o movimento era muito grande na minha pista. Pelo formato achatado dos carros de corrida, tinha o apelido de barata - provoquei muitos hematomas nas canelas de pessoas descuidadas, que saíam de casas e escritórios  bem na hora do meu GP particular. "Cuidado com essa barata, guri!", xingava o senhor, esfregando a perna.

Um amigo tinha uma barata igualzinha a minha. Não precisa nem contar dos pegas. Se a calçada já era pequena pra uma barata, imagina pra duas. Tombos e capotagens eram inevitáveis. Mas tudo na mais perfeita paz, sem brigas. E quando escapava a correia das baratas? O abnegado do seu Gabriel da Oficina (in memorian) sempre parava o serviço dele pra fazer a manutenção das baratas. Voltávamos pra pista feliz da vida, sem a menor preocupação em fazer o pagamento pelo serviço.

Hoje, 20 anos depois, passei pelas ruas que muito me serviam de pista de Fórmula 1. Grande parte dos buracos e imperfeições da Tomás Flores e da General Osório continuam lá. Mas não é mais o guri franzino em cima de uma F1 de plástico que desvia deles. Hoje era um cadeirante. Fazia basicamente o mesmo trajeto que eu, só que bem mais devagar e em silêncio.

A comparação foi imediata com meus tempos de piloto-mirim. Mas com algumas diferenças: se estragasse minha barata ou eu não quisesse mais brincar, era só voltar empurrando. Com o cadeirante não foi assim. Ele teve que enfrentar os adversários e ultrapassá-los, obrigatoriamente. Muitas vezes, usando a zebra. Sempre na iminência de uma capotagem.

Ele deve cantar o Tema da Vitória todos os dias, e não só aos domingos, como eu.

5 comentários:

  1. Adoro os teus textos!!! Leio todos, são muito bons mesmo. Parabénss!!!!

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  2. primo, vc está ficando cada vez mais afiado. estou gostando de ver (ou seria ler?).logo logo vai dominar o mundo. muito interssante a questão que tu propos porque aqui em santa maria se a situação n está igual está bem pior.abraço

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  3. legal teu texto. tens um grande potencial , parabéns.lembro de meus irmãos e depois meus filhos andando de barata. Para crianças os buracos são só um tombo a mais.Mas os cadeirantes merecem todo o respeito e atenção , mas infelizmente pouco se oensa neles.Se fala mas não se fazem gestos concretos. Continuo dizendo q deves publicar teus textos . isto ajudaria a se ter mais respeito pelo cidadão menos favorecido. bj

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  4. Bah guri!!! Tu tá te revelando muito bom mesmo. Fantástica tua analogia te solidarizando com os cadeirantes.Nem imaginava que meu sogro Gabriel consertava tuas baratas.

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