sábado, 29 de março de 2014

A DERROTA MASCULINA

O relógio marcava 3h30min. Eu acordei sem saber o que estava acontecendo, sem saber onde estava, nem meu nome, nem que dia era. Ouvia gritos. Gritos femininos. Custei para entender que aquilo era uma briga conjugal – e das feias. No início, não sabia se os gritos faziam parte do meu sonho ou se estavam, de fato, acontecendo. Aos poucos, fui entendendo que aqueles gritos de “sooooomeeeee daquiiiiii!!!!” eram reais e vinham do prédio vizinho.


Enquanto eu tentava despertar para interpretar a situação, a minha mulher já estava sentada do lado da janela, com as orelhas em pé. “O que é isso?”, perguntei. “Schhhhhh!!! Escuta, escuta!”, respondeu. A discussão no prédio vizinho recomeçou. Na verdade, não era uma discussão. Era um monólogo, no qual só a mulher falava – ou melhor, gritava. “sooooomeeee daquiiiiii!!! Vagabundo! Sem-vergonha! O que tu pensa que tu é?”, esbravejava a vizinha.

Estava ainda meio sonolento, mas não pude deixar de achar um tanto engraçada a situação. Eu não sei o que o marido fez. Talvez seja inocente, coitado. Talvez não. Não ouvi a voz dele. Somente a voz dela: “Soooomeeee daquiiiiii!!!!”. Num certo momento, a vizinha fez questão de esclarecer para todo o condomínio o motivo da briga. O marido estaria (supostamente) em uma festa, enquanto ela estava no hospital (não sei se internada ou como acompanhante). Um(a) dedo-duro teria avisado por telefone.

Talvez, numa hipótese remota, pudesse não ser ele naquela festa. Talvez, estivesse na garagem de um amigo, num churrasco regado a cerveja e risada. Não pude ouvir os argumentos dele. O que ouvi (eu e todo o condomínio) foi apenas uma das partes. Quando o relógio marcava 4h15min, os gritos de “soooomeeee daqui!!!” cessaram. Mas em seguida escutei um barulho de rodinhas arrastando. Aquele ruído que só as malas de rodinhas têm.

É, perdeu! O barulho das rodinhas indicava que o marido havia assumido a culpa. Minha torcida corporativa, típica dos homens foi em vão. Já minha mulher, sentada na cama, ao lado da janela, comemorava a expulsão do vizinho como um gol. “Bem feito, bem feito!”, dizia ela entre os dentes. Nenhum vizinho se manifestou. Nenhum reclamou do barulho. Nenhum abriu a janela. Somente acompanharam, calados, a derrota masculina. O barraco foi só um detalhe.