Em algum lugar do interior de Encruzilhada do Sul, o Boteco do Amorim sempre foi o ponto de encontro de um certo vilarejo. Aquele boteco clássico de esquina: com duas entradas, prédio antigo (deve ser da década de 1930); paredes altas, pintadas com cal; aberturas em madeira, em tons de vermelho.
O balcão ainda rescende o cheiro de cachaça com Undemberg. Nas paredes do lado de dentro do balcão, as prateleiras repletas de uma variedade de garrafas cobertas de pó. Entre elas, um recipiente com ovos cozidos em conserva no vinagre. Nas bases superiores de cada prateleira, salames e linguiças pendurados por um barbante.
Um recinto bastante simples, mas que reúne há décadas patriarcas, autoridades, peões e bêbados desocupados no início e no fim de cada tarde. Uns vão a cavalo, outros de carroça. Os moradores mais próximos chegam a pé mesmo. Todo o esforço para chegar ao Boteco do Amorim é compensado nos debates - às vezes ferrenhos - que eram replicados em todo o vilarejo.
Entre os assuntos, a política - logico! Por serem do interior, não significa que eram ignorantes no tema. Um exemplo é o João Balaio, capataz da fazenda Sanga Rasa. Ele que defende a opinião de que "se vota na pessoa e não no partido". Dia desses ele veio com essa, mas foi surpreendido pela resposta do seu Juca Moreno. O grande pecuarista pediu um trago de vinho ao seu Amorim e disparou:
- Claro que não, seu João! Como se vai votar só na pessoa? Se o senhor votar no deputado do partido X e no presidente do partido Y, o senhor vai anular o seu voto. Por melhor que seja a intenção do seu presidente, vai ser anulada pelo deputado. Isso se chama o-po-si-ção, seu João.
Comendo um pastel encharcado de gordura, seu João fez sinal de que ia concordar, mas respondeu de boca cheia:
- Mas qual partido escolher, seu Juca? Tão tudo metido em encrenca! - indaga o capataz.
Seu Juca parou, pensou. E quando conseguiu formular uma resposta, foi interrompido por vários militantes presentes no Boteco do Amorim. Cada um deles garantia que o respectivo partido não tinha o rabo preso. Seu Juca preservou sua resposta, enquanto seu Amorim observava tudo detrás do balcão, em silêncio. E o bate-boca continuou até que a discussão foi interrompida por seu Zé do Caroço. O debate o acordou do estado alcoólico:
- Ceis são tudo burro! Tem que votar pra quem nos paga. Um desses galo véio me garantiu que vai me dar uma casa. Novinha! Esse vai pras cabeça! É nesse que eu voto!
Todas as cabeças balançaram na horizontal e o assunto passou a ser futebol. Seu Zé do Caroço não gostou da esnobada dos colegas de bar e ainda seguiu:
- E eu não tô certo , não?
Seu Amorim, o mais sábio e político de todos, se deu conta que votar não é tão simples assim e permaneceu em silêncio.
Acho que o Zé Balaio é do meu time. Também voto na pessoa.Adorei o Boteco do Amorim, me vi sentada numa mesa perto da porta, alimentando um cão faminto, comprei uma linguiça e fiquei cortando os pedaços, dava para o pobre coitado do cusco, não me viste lá Urgel?
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