sexta-feira, 24 de setembro de 2010

LAJOTA SOLTA

Uma das coisas mais irritantes num dia de chuva é pisar numa lajota solta. A chuva tá caindo na vertical e tem água escorrendo pela horizontal. A gente escolhe com todo o cuidado onde pisar e... pisa naquela, justamente aquela, que está solta.

É como naquele joguinho, Campo Minado. Só que, o que explode é a água e o barro que estava debaixo da pedra. A perna que pisa na lajota até que fica quase intacta. Mas a água vai bater justamente na outra. Não tem como desviar! E nem falo quando a pessoa está de calça clara - porque a pessoa que sai de calça clara num dia de chuva pede pra sujá-la.

Qual delas está solta? Qual delas está acimentada?

Esse problema de lajotas soltas é um comum em qualquer cidade. Tem aqui, tem ali. Tem em Porto Alegre, São Paulo. Quem aqui nunca pisou numa lajota solta e embarrou a outra perna? E depois da meleca sujar a calça, o que fazer? Voltar pra casa, trocar de roupa e chegar atrasado no trabalho? Continuar sujo e molhado? Ligar pra alguém trazer uma calça e um calçado seco?

Complicado. O que resta é marcar aquela rua e aquela calçada pra não passar ali quando estiver chovendo. Pior que não adianta: a gente sempre volta a pisar na lajota solta (e a cada vez que pisa, o xingamento é maior e mais alto).

Dia 3 de outubro temos que escolher onde pisar. Alguns candidatos estão marcados e não podemos pisar nessa lajota solta, sob o risco de embarrar a perna. Outros, estão ali... esperando para serem escolhidos para serem "pisados" (literalmente). São muitos e estão em toda parte.

Será que a lajota escolhida vai estar bem acimentada? Temos que arriscar e buscar o caminho das pedras firmes. Lá por 2012, temos que olhar pra uma das pernas pra ver se fomos atingidos pelo barro lançado por nós mesmos.

sábado, 18 de setembro de 2010

NO BOTECO DO AMORIM (II)

O bar já estava sem movimento há três dias por causa da chuva. Os fazendeiros, peões e moradores da redondeza não saíam muito de casa, exceto para comprar algumas miudezas domésticas. Só compravam o necessário e já iam embora. Os debates estavam escassos no Boteco do Amorim.

Mas numa segunda-feira, o dia amanheceu com céu limpo e seu Amorim tinha a certeza de que a semana começaria diferente. Com o sol, voltariam também os frequentadores e seus debates. Por isso, a fachada merecia uma faxina, bem como o interior do bar. Mesas e cadeiras de madeira na rua e a vassoura caseira entrou em ação.

Depois da faxina, seu Amorim se dedicou a tirar os pó das garrafas. Empoleirado num banco de madeira, ele seguia assobiando um milonga enquanto limpava as garrafas de vinho, cachaça e refrigerante. O assobio foi interrompido por um "Ôh, de casa". Seu Amorim desceu do banco e foi ver quem estava chegando. Não era assim que os frequentadores usuais chegavam no boteco. Um sujeito de terno e gravata , devia ser alguém da cidade.

- Pois não, seu Doutor! - recepciona seu Amorim

- Deixe o "Doutor" de lado, seu Amorim. Eu sou apenas um amigo, que veio lhe fazer uma visita.

Seu Amorim sabia que aquilo não era apenas um amigo. E também sabia que aquela não era uma simples visita. Os papéis com foto e alguns números colados no peito do visitante não lhe soavam como uma visita comum. Era um candidato que lhe visitava. Uma era visita puramente estratégica.

O dono do bar jogou o pano no ombro, foi na rua pegar uma mesa e algumas cadeiras e recolocou-as dentro do boteco. Serviu uma cerveja gelada e um pastel ao "homem da cidade" e pra mais dois que lhes acompanhavam.

Depois de um elogio demagogo ao quitute (feito pela dona Maria Alzira, mulher de seu Amorim), os políticos já tomaram a dianteira da conversação, falando que estavam ali para tratar dos problemas daquele vilarejo.

- Pois é, seu Amorim. O nosso governo já fez muito pela sua comunidade, mas ainda tem muito a se fazer. A gente trouxe asfalto até aqui pertinho. Mas temos muito pra fazer ainda. Então, estamos aqui pra pedir o seu apoio. Sabemos que o seu bar é bastante frequentado aqui.

Seu Amorim balançou a cabeça, recolheu os pratos e  disse que todo ano eleitoral os candidatos sempre falavam a mesma coisa. Todos tinham o mesmo discurso. Os políticos notaram que a receptividade do dono do bar não foi das melhores. Então, deixaram alguns santinhos e foram embora em seguida, prometendo voltar.

À tardinha, regressaram os frequentadores do boteco. Seu Amorim contou da visita e os debates foram até o início da noite. No dia seguinte, eis que chega mais um candidato. Diferente do primeiro, esse vestia uma roupa mais simples. O discurso era diferente também. Este, dizia que o governo não fez nada pra comunidade e que ele sabia como resolver os problemas de lá. Prometia estradas, desenvolvimento e postos de saúde. 

Os debates reacenderam. Cada um com seu ponto de vista. Uns brigaram, mas seu Amorim apaziguou todos os desentendimentos. Ele lembra bem desta feita: era um setembro de 1994. As brigas continuam iguais até hoje. Os discursos também, 16 anos depois.


sexta-feira, 17 de setembro de 2010

VIAJANDO COM ISMAEL

Eu sou mesmo sortudo! Sempre que tem algum ser diferente dentro de um ônibus, se posiciona perto de mim. É quase sempre assim. Pode ser um bêbado escandaloso, um louco falante, um bebê gritão... Desta vez foi um guri. Foi nesta terça, na volta da capital gaúcha, para minha terra natal. Mas não era apenas um guri. Era guri falante. Mais: não era apenas um guri falante. Era um guri irritantemente falante. Mais: Além de falar sem parar, mexia em tudo.

Começou ainda na rodoviária, em pé nas poltronas 11 e 12 puxando a cordinha da campainha a todo  instante. Volta e meia, o motorista olhava pra trás - tinha até o risco de tirar a atenção do motorista. A mãe só dizia baixinho para o menino sentar. Só parou de mexer na cordinha quando olhou pro fundo do ônibus e se deu conta que tinha banheiro:

- Tem banheiro, pai! Eu quero mijar! Eu quero mijar! Vamo no banheiro, pai? Hein, pai?

A mãe do garoto até tentou argumentar, dizendo que ele recém tinha ido no banheiro da rodoviária e que não tinha nenhuma necessidade fisiológica. Mas enquanto ele não experimentou o WC do ônibus, não sossegou. Voltou de lá e se instalou nas poltronas 13 e 14. Ali, a bola da vez, foi o elástico dos bancos da frente: PLAC!, PLAC!, PLAC!

- Pára, Ismael! A tia da frente não gosta disso - pedia a mãe, com toda a calma do mundo.

Pela primeira vez, ouvi o nome daquele pentelho de olhos grandes, cabelo baixo e uma voz de volume altíssimo. A essa altura, desisti de tentar dormir. Tentei ler pra ver se me distraía, mas sem sucesso também.A única coisa que me passava na cabeça era: "O que esses pais estão fazendo que não dão um 'sacode' nesse guri?"

E quando ele resolveu cantar? "TUDO É DO PAAAAAIII". Eu e a mulher da poltrona ao lado só nos olhamos em silêncio. Não precisou explicações. Logo em seguida, um vivente espirra lá no fundo do ônibus. Prontamente, ele acorda a última pessoa que dormia:

- Êêêta...!!! Saúúúúde!!!!

Dizem que as críticas aos filhos alheios são refletidas nos próprios filhos."Não fala dos filhos dos outros, que tu paga depois". Então, esses pais falaram! E como falaram! Estão pagando por muitos comentários como "ah, se fosse meu filho!"

Como disse lá no início, eu sou sortudo. É com situações como a desse moleque endemoniado, que me faz refletir bastante sobre ter filhos ou não. Eu sou mesmo sortudo!

domingo, 12 de setembro de 2010

EU E MINHA BARATA

Hoje é domingo, dia de Fórmula 1. É dia de ver Ayrton Senna vencer mais uma e cantar o Tema da Vitória. Depois, monto a minha própria Fórmula 1 de plástico (a Lótus preta e dourada que o Senna pilotava na década de 80) e saio pela calçada, imitando o ídolo. O meio-fio é a zebra; os buracos e imperfeições são os adversários a serem ultrapassados. O motor é a pedal e tem o barulho produzido com a boca. O pit-stop é a entrada de qualquer garagem da ruas Tomás Flores ou General Osório. Ali, tomo uns goles de Ki-Suco de uva e faço o trajeto inverso, reultrapassando buracos e imperfeições. Ao chegar perto da linha de chegada (minha casa), a narração sai incontrolável: "AYYYRTONSENNADOBRASIIIIIIILLLLLL. TAN-TAN-TAN.... TAN-TAN-TAAAAN."

1986: Ayrton Senna e sua Lótus preta

Repetia isso várias vezes ao dia. Tinha que aproveitar o domingo porque nos dias de semana, o movimento era muito grande na minha pista. Pelo formato achatado dos carros de corrida, tinha o apelido de barata - provoquei muitos hematomas nas canelas de pessoas descuidadas, que saíam de casas e escritórios  bem na hora do meu GP particular. "Cuidado com essa barata, guri!", xingava o senhor, esfregando a perna.

Um amigo tinha uma barata igualzinha a minha. Não precisa nem contar dos pegas. Se a calçada já era pequena pra uma barata, imagina pra duas. Tombos e capotagens eram inevitáveis. Mas tudo na mais perfeita paz, sem brigas. E quando escapava a correia das baratas? O abnegado do seu Gabriel da Oficina (in memorian) sempre parava o serviço dele pra fazer a manutenção das baratas. Voltávamos pra pista feliz da vida, sem a menor preocupação em fazer o pagamento pelo serviço.

Hoje, 20 anos depois, passei pelas ruas que muito me serviam de pista de Fórmula 1. Grande parte dos buracos e imperfeições da Tomás Flores e da General Osório continuam lá. Mas não é mais o guri franzino em cima de uma F1 de plástico que desvia deles. Hoje era um cadeirante. Fazia basicamente o mesmo trajeto que eu, só que bem mais devagar e em silêncio.

A comparação foi imediata com meus tempos de piloto-mirim. Mas com algumas diferenças: se estragasse minha barata ou eu não quisesse mais brincar, era só voltar empurrando. Com o cadeirante não foi assim. Ele teve que enfrentar os adversários e ultrapassá-los, obrigatoriamente. Muitas vezes, usando a zebra. Sempre na iminência de uma capotagem.

Ele deve cantar o Tema da Vitória todos os dias, e não só aos domingos, como eu.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

O CASTIGO

Fala-se muito na proibição da tal "palmadinha". Como se isso fosse o pior castigo do mundo. Em alguns casos, isso pode até ser necessário. Eu mesmo, precisei quando criança (e ainda ficaram me devendo algumas). Mas não adianta proibir a tal palmada se os pais continuarem com outros maus tratos.

Há alguns anos, eu trabalhava em uma farmácia como balconista. Era horário de almoço e ia eu tranquilamente pra casa. Ao passar na parada de ônibus de Praça Silvestre Corrêa, vi a singela cena de uma mãe com um filho pela mão, esperando o busão chegar. Que bonitinho!

Fui me aproximando e notando o que guri se espremia todo. Levantava uma das pernas e apertava a mão de sua mãe. Quando estava bem perto deles, escutei o pobre mocinho falar entre os dentes: "Ai, mãe, tô me cagaaaando!!!"

Há 100 metros dali, havia um banheiro público. Como todo o banheiro público, não era um exemplo de limpeza, mas na emergência, serviria. Portanto, a cena não era tão singela assim. E pior que a fala do filho, foi a resposta da mãe: "vai apertar essa bunda, guri!". O que será que ele fez pra estar pagando isso?

Quer castigo maior que esse??? Pior que 20 palmadas! E nesse caso, quem deveria ganhar umas palmadas era aquela insensível mãe, que não sabe da sensação de querer se livrar de algo que não faz mais parte de você. Pobre guri! Não vi como a história acabou, mas ao mesmo tempo que ria da cena, fiquei torcendo pro guri vencer a luta contra o cocô!

terça-feira, 7 de setembro de 2010

PATRIOTISMO: INFELIZMENTE NÃO SOU ADEPTO

Era um 7 de setembro de 1998, eu tinha 16 anos. Naquele tempo, a gente ainda era obrigado a desfilar pela escola, sob pena de ter faltas ou prejuízo em alguma nota. O uniforme não era dos mais bonitos, não: camisa branca, calça e sapato pretos. Do alto da minha rebeldia de adolescente, logicamente eu não queria participar de nada obrigado (muito menos com aquele traje!).

Mas não tinha escolha. Pro meu pai, aquilo era importante. Além do mais, como explicar o desfalque nas notas e presenças? Tinha que encarar o tal Desfile de 7 de Setembro (de camisa branca, calça e sapato preto. Era praticamente um time de garçons). Eu acreditava que meu pensamento era o mesmo de todos os guris da turma: "Será que eles vão ir nesse troço? E vestidos assim?"

Eu tinha que conferir antes de me vestir. Peguei a minha Caloi e fui lá na  Escola Carlos Corrêa da Silveira pra ver o time de garçons. O pior é que a turma estava mesmo lá. De camisa branca, calça e sapatos pretos e de cabelo lambido. E como todos estavam dispostos a encarar, eu também estava. Voltei correndo pra casa. Precisava por o uniforme de garçom pro tal desfile.

Faltava menos de uma hora pro começo do evento cívico. As pessoas já se posicionavam na calçada da rua principal para ver os filhos, netos, sobrinhos e amigos, demostrando todo o "amor" (forçado) pela Pátria. Então, eu precisava me apressar. Ainda tinha que tomar banho e voltar. Acelerei minha Caloi e me mandei pra casa. Última marcha. A todo o vapor!

Mas havia uma ladeira há 200 metros da minha casa. Por ali, a roda dianteira derrapou numa valeta (a rua era de chão batido) e eu voei. Na queda, quebrei o braço esquerdo e esfolei todo lado direito do corpo. Um tombaço! Meu primeiro pensamento, antes mesmo da dor, foi: "Agora não vou mais naquela porcaria de desfile." De fato. Fui direto pro hospital.

Cada vez que falam em Semana da Pátria é desse dia que eu lembro. Chega a dar uma fisgada no braço esquerdo. Tenho péssimas lembranças dessa data. Não sou patriota. Não aprendi a ser, como muitos brasileiros. Sentimento ainda mais fragmentado pela experiência ruim justamente no Dia da Pátria. É uma pena eu não ter o amor que gostaria pelo Brasil.

Queria ter o amor que os chilenos tem pela Pátria deles. Mineiros estão presos na mina e com condições precárias há um mês. Mesmo assim, fazem questão de cantar o hino de seu país. Ganharam, cada um, uma bandeira - e isso é um orgulho imenso para eles. O presidente do Chile, Sebastián Piñera, queria que eles fossem resgatados a tempo para celebrarem o Bicentenário da Independência chilena, celebrada no dia 18 deste mês.

E eles comemorariam. Mesmo que fosse de camisa branca, calça e sapatos pretos. E não precisariam conferir se os colegas estariam vestidos assim. Mas a história dos dois países é mesmo muito diferente.