domingo, 29 de agosto de 2010

NO BOTECO DO AMORIM

Em algum lugar do interior de Encruzilhada do Sul, o Boteco do Amorim sempre foi o ponto de encontro de um certo vilarejo. Aquele boteco clássico de esquina: com duas entradas, prédio antigo (deve ser da década de 1930); paredes altas, pintadas com cal; aberturas em madeira, em tons de vermelho.

O balcão ainda rescende o cheiro de cachaça com Undemberg. Nas paredes do lado de dentro do balcão, as prateleiras repletas de uma variedade de garrafas cobertas de pó. Entre elas, um recipiente com ovos cozidos em conserva no vinagre. Nas bases superiores de cada prateleira, salames e linguiças pendurados por um barbante.

Um recinto bastante simples, mas que reúne há décadas patriarcas, autoridades, peões e bêbados desocupados no início e no fim de cada tarde. Uns vão a cavalo, outros de carroça. Os moradores mais próximos chegam a pé mesmo. Todo o esforço para chegar ao Boteco do Amorim é compensado nos debates - às vezes ferrenhos - que eram replicados em todo o vilarejo.

Entre os assuntos, a política - logico! Por serem do interior, não significa que eram ignorantes no tema. Um exemplo é o João Balaio, capataz da fazenda Sanga Rasa. Ele que defende a opinião de que "se vota na pessoa e não no partido". Dia desses ele veio com essa, mas foi surpreendido pela resposta do seu Juca Moreno. O grande pecuarista pediu um trago de vinho ao seu Amorim e disparou:

- Claro que não, seu João! Como se vai votar só na pessoa? Se o senhor votar no deputado do partido X e no presidente do partido Y, o senhor vai anular o seu voto. Por melhor que seja a intenção do seu presidente, vai ser anulada pelo deputado. Isso se chama o-po-si-ção, seu João.

Comendo um pastel encharcado de gordura, seu João fez sinal de que ia concordar, mas respondeu de boca cheia:

- Mas qual partido escolher, seu Juca? Tão tudo metido em encrenca! - indaga o capataz.

Seu Juca parou, pensou. E quando conseguiu formular uma resposta, foi interrompido por vários militantes presentes no Boteco do Amorim. Cada um deles garantia que o respectivo partido não tinha o rabo preso. Seu Juca preservou sua resposta, enquanto seu Amorim observava tudo detrás do balcão, em silêncio. E o bate-boca continuou até que a discussão foi interrompida por seu Zé do Caroço. O debate o acordou do estado alcoólico:

- Ceis são tudo burro! Tem que votar pra quem nos paga. Um desses galo véio me garantiu que vai me dar uma casa. Novinha! Esse vai pras cabeça! É nesse que eu voto!

Todas as cabeças balançaram na horizontal e o assunto passou a ser futebol. Seu Zé do Caroço não gostou da esnobada dos colegas de bar e ainda seguiu:

- E eu não tô certo , não?

Seu Amorim, o mais sábio e político de todos, se deu conta que votar não é tão simples assim e permaneceu em silêncio.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

O PREÇO DO "SIM"

Bueno... Minha proposta era postar um texto por semana. Nesta, não pude escrever. Mas para manter a média, tive que recorrer aos textos antigos mais uma vez. Este também foi do Unicom/2009. Uma reportagem sobre a vida de uma figuraça aqui de Encruzilhada do Sul. Quem conhece o cara do texto abaixo, sabe que as peripécias dele são reais. Senhoras e senhores: com vocês, o Bié!


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Ele se define como “um cara desorganizado a fim de viver a vida”; “um cara que não sabe dizer não”. Talvez o sim mais relevante de sua vida seja o do dia do casamento. Um casamento que mexeu com Encruzilhada do Sul. Uma cerimônia com ares místicos, envolvendo a cultura indiana. O local do evento foi a simbólica Fonte do Pedroso. No século passado, era lá onde Farrapos e cruzadores paravam para descanso e água fresca; um lugar lendário para a comunidade local. Às 22h do dia 22 de outubro de 2004: tudo pronto. As comidas, os trajes, a autoridade religiosa, os noivos, a decoração, a iluminação. Todos os ingredientes para um final feliz... Se não fosse um detalhe: o casamento era de mentirinha. Pura jogada de marketing.

Clauber Azambuja, o “Bié” realizava um evento em Bagé no ano de 2003, quando conheceu J. Cheverria. Os dois ficaram juntos durante algum tempo e pintou a idéia de fazer um casamento ao ar livre. O amigo Tuca Maya motivou o casal e complementou: “um casamento indiano”. Imediatamente partiram a Porto Alegre para comprar todos os ingredientes da cozinha indiana e itens do vestuário – e nem havia novela da Globo com essa temática.

Ano de 2004.
Era começo do período eleitoral Clauber Bié era candidato a vereador pelo PTB. Não havia muito dinheiro disponível na campanha e tinha de se ter uma jogada que alavancasse a carreira política dele de um modo rápido e barato: “Imagina: a gente ganhou apoio do partido, com santinhos e tal. E se ganha a eleição com essa história do casamento?”, indaga ele. Tuca e Bié contataram a imprensa regional e a cerimônia tinha todos os indicativos de que seria um bom empurrão para a campanha.

Uma semana antes das eleições, Bié casou com J. Cheverria. Ao som de fogos de artifício, cerca de cem pessoas compareceram à Fonte do Pedroso. Entre elas, a sogra, que veio de Bagé acreditando que o casamento era real. Ela gostou da festa, mas nunca deu confiança a Bié. A “brincadeira” envolveu um padrinho de luxo, o atual prefeito e um fim de semana no Conceição Palace Hotel (com a sogra no mesmo quarto dos noivos). “Eu persuadi uma pessoa a casar comigo e ela – a noiva – me persuadiu a casar sério“, lembra Bié.

O casamento durou pouco. Cerca de meio ano. Só que nesse tempo, nasceu Gabriela Cheverria Azambja, o fruto real de um casamento de mentira. “A gente deu uma namoradinha. E foi aí que veio a minha filha”, sorri Bié. A consequência inesperada do casamento prolongou a convivência entre Bié e Cheverria por mais meio ano. Clauber Azambuja seria um vereador que desenvolveria projetos na área da assistência social. Sim. Seria. Porque a armação do casamento como forma de marketing político não deu certo. Aliás, nenhum pouco. Foram apenas 23 votos para o candidato petebista.

UMA VIDA DE SINS – O encruzilhadense Clauber Azambuja nasceu em 1979. Desde a adolescência, o sim sempre ditou sua vida. Definitivamente, ele não sabe dizer não. Além do casamento frustrado, Bié disse sim para muitas outras circunstâncias inusitadas que a vida lhe apresentou. Bastava um telefonema de uma cidade distante e Bié largava o que tivesse fazendo e assumia um novo compromisso:

1995 – Clauber diz o sim mais perigoso: Sim às drogas. Segundo Bié, o único sim de que ele se arrependeu até agora. Ele garante que hoje vive sem drogas.
1997 – Bié vai a São Paulo de bicicleta em busca de patrocínio. O Banco do Brasil disse sim e ele parte de Encruzilhada em janeiro. Ganhava cerca de R$100,00 por semana para divulgar a marca do banco.
1998 – Bié decide dizer sim a uma outra viagem de bicicleta: de Encruzilhada ao Rio de Janeiro. Para ser batizado por nada menos que João Paulo II, na visita dele ao Brasil. Em outubro, o ciclista chegou ao Rio, mas a falta de logística frustrou a tentativa.
1999 – Convite para fazer parte do Mundo Coca-Cola. Uma produtora de gincanas escolares. Bié disse sim e viaja pelo Estado organizando competições.
2000 – O ciclista diz mais um sim. Desta vez, de solidariedade. Muda-se para Santana do Livramento e pedala 24 horas ininterruptas no centro daquela cidade para arrecadar alimentos para crianças carentes.
2001 – Sim ao retorno à Terra Natal. Bié volta a Encruzilhada do Sul depois de dois anos fora.
2002 – Convite dos irmãos para trabalhar no Uruguai. Sim! Cursos de cabeleireiro, pedaladas, músicas...
2004 – O mais simbólico sim. Bié casa-se com J. Cheverria
2005 – Bié trabalha como narrador de corridas automobilísticas em Santa Cruz do Sul
2008 – Juvêncio Silva diz sim a Bié. O empresário abre as portas da fazenda, onde Clauber “Bié” o assessora.
2009 – Durante uma vida inteira de sins, Clauber já compôs mais de duzentas músicas e, se ganhasse na Mega-Sena, diria um sim à produção musical.

domingo, 15 de agosto de 2010

O OVO E O OLHO ESQUERDO

Você vai rir. Tenho certeza. Se prepare! Você vai rir, mas o problema é sério. Se eu comer ovo, me dói o olho esquerdo (eu disse que você ia rir!). Mas é verdade: não sei por que cargas d'água, a reação quanto à ingestão do ovo se dá no globo ocular esquerdo.

Com o tempo, descobri que o ovo não era o único causador da dor no olho esquerdo. Alimentos gordurosos e de difícil digestão, como o bacon, também provocam uma pressão insuportável no "farol" esquerdo (se ingeridos em excesso, lógico). Mas o grande vilão é mesmo o ovo. Já virou piada entre os amigos: Se reclamo de dor no olho, todo mundo já sabe que comi ovo.

Já perguntei a alguns oftalmologistas sobre isso. O último deles nem respondeu. Só baixou os olhos e balançou a cabeça. Isso deve ser problema endócrino. Sei lá! Só sei que, se um dia me convidar pra fazer uma refeição na sua casa, cuidado com o cardápio. Omelete de bacon, nem pensar!

Outro dia, fui convidado para jantar na casa de um casal de amigos. Foi um dilema pra escolher o cardápio. Um não gosta disso, outro não gosta daquilo - e eu não posso comer ovo que me dói o olho esquerdo. Decidimos pela canjiquinha (com pedaços magros de carne suína). Uma maravilha que merece ser prato único. No máximo, um feijãozinho pra acompanhar.

Eis que chega um outro convidado - atrasado e desavisado do cardápio.


- Boa noite! Desculpe o atraso. Hum... o cheiro tá bom! Qual é a boia? - indaga.

- Boa noite! Vamo chegando... A boia é canjiquinha com carne de porco - responde o anfitrião.

- Canjiquinha?

- Sim. Não gosta?

- Até gosto. Mas não posso comer. Me coça a orelha direita. Um horror!



Ficou só no feijão!

domingo, 8 de agosto de 2010

DESABAFOS DE UM CARECA

Marcelo Tas, o careca mais famoso do momento, disse em seu blog: "O trauma sobre a calvície vai até uns 25 anos. Sou careca ou não sou? Mas, a partir do momento em que você diz 'eu sou careca', você se torna uma pessoa mais bonita" E completa: "Eu sou careca por uma habilidade espiritual. Fui me aperfeiçoando até ficar assim". Pois bem. Eu me considero CARECA desde os 16 anos - tive algumas recaídas, mas a careca sempre predominou. Segundo a filosofia tasiana, posso me considerar um ser bonito, espiritualmente evoluído - não como o mestre, mas estou a caminho.

Ser ou estar careca é bom, prático. Mas causa incômodos nas pessoas que nos cercam. Todo inverno é a mesma coisa: "Credo, guri! Não tá com frio nessa cabeça?". Tem aqueles mais curiosos: "Tu raspa a cabeça todo o dia?". Outros ainda mais desaforados "Por que tu não deixa o cabelo crescer?" São perguntas delicadas, com respostas ainda mais delicadas. Principalmente pela reincidência. Para (tentar) esclarecer esses pontos de uma vez por todas, resolvi conceder um entrevista e publicar as curiosidades e desabafos de careca. O repórter é o renomado (?) jornalista José Esquinredi. Abaixo, a entrevista na íntegra:


JOSÉ ESQUINREDI - Qual foi o motivo que lhe levou a aderir ao carequismo?






URGEL SOUZA - Olha... Foi uma aposta comigo mesmo. Na 8ª série disse: "se eu passar de ano, vou raspar a cabeça." Não acreditava que pudesse ser aprovado por isso fiz essa "promessa". Até hoje não sei se passei mesmo ou os professores me aprovaram por sacanagem, só pra me ver sem cabelo. O fato é que, a partir daí, aderi à raspagem semanal. Comecei com o pente nº 4 na parte de cima, com o nº 3 dos lados. Depois, só fui baixando, até chegar no nº 0. O cabelo é ruim mesmo! Não perco nada.

JE - Ouvi dizer que você usa shampoo. Mito ou verdade?







US - Verdade! Só porque não tenho cabelo não posso usar shampoo? A gente deve cuidar da careca como cuida do rosto. Experimente fazer a barba com sabonete. O rosto fica todo repuxado e seco. Com a careca é a mesma coisa. Uma colher de chá de shampoo é suficiente. Para aqueles que raspam com Gilette, o mestre Tas ensina: "Neutrox pra evitar o ressecamento e melhorar o brilho."




JE - Como o careca se vira no inverno?








US - Cara, sinceramente: eu não sinto frio na cabeça. Todo mundo me pergunta isso. O frio que pega na careca é o mesmo que pega no rosto. Sinto frio nas orelhas, como todo mundo. Mas isso não depende de ter cabelo ou não. A touca resolve bem o problema.



JE - Seu cabelo cresceu até que tamanho?







US
- Já fui cabeludo. Alguns anos antes de raspar pela primeira vez, eu tinha um juba. Juba mesmo! A franja passava quatro centímetros do queixo. Coisa horrorosa! Não dá nem pra lembrar. Imagine um ser com 1,75m, 57kg, no qual o cabelo é a parte mais larga do corpo.

"...o cabelo espalhado
pelo vento chamava mais
atenção que a bermuda."


JE - Há registros disso?







US - Infelizmente, sim. Quando estive na praia de Pinheira - SC, foi tirada um foto minha com uma bermuda verde-limão, com detalhes em laranja fosforescente, branco e preto. Mas o cabelo espalhado pelo vento chamava mais atenção que a bermuda.




JE - Você não tem saudades da cabeleira?

US - E você? Tem saudades dos seus?

JE - !!!

US - ...

JE - Ser careca está na moda?

US - Talvez. Na antiguidade, quem raspava a cabeça eram guerreiros ou reis (esses, tinham a genética propícia pra isso. Depois, ser careca estava relacionado à rebeldia. Mais tarde, veio os Skinheads, que eram sinônimo de violência. Veio, então, a expressão atitude - quem raspa a cabeça representa a atitude. Eu não acredito em nada disso. Acho que cada um tem o cabelo que quiser, independente do que signifique. Mas por favor... Não me venha com aquele cabelo que faz a volta por trás da cabeça de orelha a orelha; nem com aquela careca disfarçada por cabelos mais compridos (uns chegam a atravessar os cabelos maiores de um lado para outro)... muito menos com a famosa "cabecinha de motel" (aquela com duas entradas e uma cama redonda atrás). Isso sim, nunca teve na moda. Raspe d'uma vez!

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

EU MATEI MEU CACHORRO

Durante o enterro, o nó na garganta era inevitável. Lágrimas brotavam incontroláveis. Eu mesmo o enterrei, no fundo do pátio. Cavando a sepultura, cada pazada era dada com força. Não só pra vencer o solo duro, mas por indignação! Quem teria matado meu cachorro? O parceiro das horas de folga; aquele que permanecia em silêncio, me olhando, enquanto descascava laranja depois do almoço. Aquele que gostava de futebol, assim como eu - principalmente se a bola fosse um limão.

Xiru era aquele modelo clássico de cão: porte médio-grande, pelo comprido, orelhas firmes e sempre erguidas; cauda grande e peluda, focinho afinado... como um Pastor Belga, só que em tom alaranjado. Era dócil com crianças e adultos mais chegados, mas feroz com invasores. Tinha um latido grosso que botava repeito em quem entrasse nos seus domínios. "Aqui tem dono e eu sou o responsável pela segurança desta casa", de certo dizia ele a um desavisado que entrava no pátio.

Chegou na minha casa numa caixa de sapato, parecia que não ia crescer muito. Cresceu! E se tornou o sentinela da casa. Durante a infância canina, despertou a minha ira com um costume de todo cachorro-guri: puxar as roupas do varal, suja-las e exibi-las como um troféu. E essa mania custou pra passar. Porém era perdoado quando, diariamente, depois do almoço, vinha me dar a pata como quem pede desculpas.

Um dia, cheguei em casa e, como sempre, chamei por ele. Nada. Fui lá no galpão, onde tinha o seu vai-e-vem. Ao ver a corrente esticada, já me dei conta: "O Xiru morreu! Quem matou o meu cachorro? Garanto que foram esses ladrõezinhos de merda que não se atrevem a entrar com ele aqui. Filhos da mãe!"

Parei por alguns instantes pra digerir a imagem. Aquele cadáver endurecido não iria mais ser o companheiro silencioso do pós-almoço; não faria mais o barulhento futebol de limão. Quem teria matado o meu cachorro? Não sabia do assassino, mas sabia que não era um ser digno da boia que come. Resolvi enterra-lo no seu local de trabalho, uma homenagem aos serviços prestados. No seu túmulo, foi também a coleira e a corrente - não seriam de nenhum outro cão. Depois do sepultamento, um "vai com Deus, parceiro".

Na hora de guardar a pá que fez sua cova, a revelação da morte. Um fio da tomada solto e desencapado balançava próximo onde Xiru estava. Me dava conta que quem matou meu cachorro fui eu mesmo! Imaginei como teria sido triste sua morte, por culpa da minha relapsia.

Se passaram dois anos da morte do Xiru. Outros cachorros ocuparam seu posto. Mas aquela lembrança do cachorro no fundo do galpão com olhos esbugalhados e a língua de fora não me sai da memória. Às vezes, perdido em lembranças, me pego dando a pata pro Xiru pra pedir perdão - como ele fazia humildemente pra implorar minha absolvição.

domingo, 1 de agosto de 2010

CADÊ O PORTÃO?

Em março deste ano, um fato (no mínimo curioso) se assucedeu em frente a porta da minha casa. Tive o portão roubado. Sim, o portão. Todo mundo se pergunta: "Mas não tem mais nada pra roubar?". A indignação rendeu uma crônica que foi publicada na Rádio 87,9 e no Jornal 19 de Julho. Recentemente, uma outra vítima do ladrão de portões - só que, desta vez, em Porto Alegre. Vale a pena reacender o tema: Tá aí o texto:

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Seria cômico, se não fosse trágico. O portão da casa foi roubado na madrugada desta quinta-feira. Em uma de suas músicas mais conhecidas, Roberto Carlos disse: “Eu cheguei em frente ao portão. Meu cachorro me sorriu latindo.” Pois é. Se ele me visitasse hoje, encontraria só o cão - e latindo de raiva. Ladrões arrancaram a estrutura de metal de cerca de um metro quadrado. Com a audácia, os manganões não levaram só a porta de entrada da minha residência, localizada no fim da rua Dom Feliciano. Levaram muito mais. Como outras vítimas, tive minha segurança seriamente subtraída.

Há muito tempo, os moradores do bairro Lava-Pés e arredores não podem estar tranquilos nem mesmo dentro de suas residências. Correm boatos de que é cobrado pedágio durante as noites e madrugadas dessa região. Passar por lá torna-se perigoso e morar também. O roubo do portão é um exemplo disso. Um portão como aquele custa em torno de duzentos reais. Tenho condições de repor, mas não é o preço dele que importa (ao menos o preço de mercado, não). O que realmente interessa é a causa e a consequência do roubo. Provavelmente foi trocado por uma ou duas pedras de crack logo abaixo da minha casa. E o pior: Não está livre de levarem o próximo portão que vai ser reinstalado ou mesmo de invadirem qualquer outra residência, inclusive a minha.

Ladrões sempre existiram e sempre vão existir. Mas o crack potencializa radicalmente esse problema. Isso afeta a saúde pública, segurança e convivência dos moradores de Encruzilhada do Sul. Já foram criados ONG’s, realizados seminários, manifestos públicos… Mas só se vê o consumo da droga aumentar junto com a sensação de impotência. Se um dia as autoridades tomassem uma atitude em relação a isso, talvez pudesse cantarolar a música do Rei Roberto ao chegar em casa dizendo que “… tudo está igual como era antes. Quase nada se modificou. Acho que só eu mesmo mudei.”

Urgel Souza, março de 2010.