O relógio marcava 3h30min. Eu acordei sem saber o que estava
acontecendo, sem saber onde estava, nem meu nome, nem que dia
era. Ouvia gritos. Gritos femininos. Custei para entender que aquilo
era uma briga conjugal – e das feias. No início, não sabia se
os gritos faziam parte do meu sonho ou se estavam, de fato, acontecendo.
Aos poucos, fui entendendo que aqueles gritos de “sooooomeeeee
daquiiiiii!!!!” eram reais e vinham do prédio vizinho.
Enquanto eu tentava despertar para interpretar a situação, a minha
mulher já estava sentada do lado da janela, com as orelhas em pé.
“O que é isso?”, perguntei. “Schhhhhh!!! Escuta, escuta!”,
respondeu. A discussão no prédio vizinho recomeçou. Na verdade,
não era uma discussão. Era um monólogo, no qual só a mulher
falava – ou melhor, gritava. “sooooomeeee daquiiiiii!!!
Vagabundo! Sem-vergonha! O que tu pensa que tu é?”, esbravejava a
vizinha.
Estava ainda meio sonolento, mas não pude deixar de achar um tanto
engraçada a situação. Eu não sei o que o marido fez. Talvez seja
inocente, coitado. Talvez não. Não ouvi a voz dele. Somente a voz
dela: “Soooomeeee daquiiiiii!!!!”. Num certo momento, a vizinha
fez questão de esclarecer para todo o condomínio o motivo da briga.
O marido estaria (supostamente) em uma festa, enquanto ela estava no
hospital (não sei se internada ou como acompanhante). Um(a)
dedo-duro teria avisado por telefone.
Talvez, numa hipótese remota, pudesse não ser ele naquela festa.
Talvez, estivesse na garagem de um amigo, num churrasco regado a
cerveja e risada. Não pude ouvir os argumentos dele. O que ouvi (eu
e todo o condomínio) foi apenas uma das partes. Quando o relógio
marcava 4h15min, os gritos de “soooomeeee daqui!!!” cessaram. Mas
em seguida escutei um barulho de rodinhas arrastando. Aquele ruído
que só as malas de rodinhas têm.
É, perdeu! O barulho das rodinhas indicava que o marido havia assumido a culpa. Minha torcida corporativa, típica dos homens foi em vão.
Já minha mulher, sentada na cama, ao lado da janela, comemorava a
expulsão do vizinho como um gol. “Bem feito, bem feito!”, dizia
ela entre os dentes. Nenhum vizinho se manifestou. Nenhum reclamou do
barulho. Nenhum abriu a janela. Somente acompanharam, calados, a
derrota masculina. O barraco foi só um detalhe.