Certa feita, um velho sábio encruzilhadense me disse: "Uma cuia de chimarrão a gente não escolhe. Ela é que te escolhe". As palavras não foram muito muito bem assimiladas num primeiro momento, mas eu nunca mais as esqueci.
Essa afirmação se confirmou quando eu adquiri minha primeira cuia. Estava num mercado com um amigo e quem queria comprar cuia era ele. Achei uma bem interessante: redondinha, tamanho pequeno-médio, porongo de 5mm de espessura.
- Tá aí - disse pra ele. Achei a tua cuia!
- Não gostei muito. Achei melhor essa outra aqui, óh - reponde.
- Não trouxe dinheiro agora. Então vou esconder ela aqui atrás da prateleira, que depois venho buscar ela pra mim. Já que tu não gostou, vou ficar com ela.
- Não. Bota junto nas minhas coisas, depois me paga.
- Ok.
De tanto que gostei daquela cuia, ganhei ela como presente, não precisei ressarci-lo. Foram vários mates nela. Uns cinco anos mais tarde,.a cuia encerrou seu ciclo. Primeiro, teve um pedaço quebrado - mas ainda conseguia usá-la. Dias depois, foi roubada.
Passei 14 meses procurando uma cuia igual: 12cm de altura, 10mm de largura; base milimetricamente redonda e pescoço levemente apertado.Nada. Revirei todas as bancas do Mercado Público de Porto Alegre (eu disse todas!). Acabei comprando uma meio parecida, mas com um biquinho no talo do porongo.
Um dia, a cuia ideal vai te encontrar |
Daria ele, pronto para o uso, pra minha irmã - afinal, era de propriedade dela. Mas o presente foi esquecido no fundo de um armário. Numa tarde fria de um agosto, precisei de uma cuia emprestada (a minha tinha ficado com erva há três dias e estava "azeda"). Pedi aquela cuia esquecida no armário.
Simpatizei com ela e fiz usucapião. Desde então, meus mates são só dela.
Aquele senhor tinha razão: "a cuia é que encontra o dono" e não o contrário. Se você sair atrás dela, você não vai encontrá-la. A cumplicidade é reforçada nas horas de mate. Os apaixonados pelo chimarrão sabem que é assim. Mas isso, creio, que não tem a ver com superstição.