Em determinado momento, senti uma cólica terrível, acusando vontade de fazer cocô. Algo não me fez bem. Eu nunca havia feito cocô na escola e qualquer criança de oito anos abominava a ideia de fazer cocô fora de casa. Pior ainda, se fosse no colégio. Era uma vergonha! Ai de quem fosse descoberto que algum dia sentou no vaso de porta fechada.
A barriga deu sinal de que eu deveria mudar os meus conceitos quanto ao uso do banheiro. E o problema não era usar o banheiro propriamente . O problema era que, em função da bagunça que faziam com o papel higiênico, o utensílio ficava trancafiado num armário, no fundo de cada sala de aula. A chave, ficava com o respectivo professor da sala. A barriga pediu pressa, não havia outra alternativa. Era preciso fazer cocô no colégio.
Engoli o orgulho, calcei as sandálias da humildade e levantei devagar, com o pensamento decidido: “Vou cagar no colégio!”. Da minha classe até a mesa da professora tinha uns 10 metros. Nesse trajeto, eu tinha que inventar algo inteligente para que a turma não desconfiasse do que eu estava sentindo. Cheguei perto da professora e falei baixinho, entre os dentes: “Eu preciso ir no banheiro.” A professora não entendeu e respondeu quase gritando. “Quêêê???”
Nessa hora, a turma já tinha fortes indícios de que eu estava querendo fazer cocô no colégio. Então, tive que repetir pra professora com cara de cachorrinho abandonado. “Eu preciso ir no banheiro”. Com ares de espanto, ela disse em alto e bom tom. “Ué, então vai, guri.”
Eu guardo uma mágoa profunda daquela professora por causa dessa frase. Não... uma pontinha de revolta. Não... uma boa dose de ódio! Porque ela sabia que eu queria fazer cocô. Ela sabia que não havia papel higiênico no banheiro. Ela sabia que o papel estava dentro do armário, que estava no fundo da sala. E só ela tinha a maldita chave do maldito armário. Então, porque diabos ela me tasca “Ué, então vai, guri”?. Ai, que ódio!
Pois bem. Ela abriu a gaveta da mesa, pegou a chave e me entregou, fazendo uma cara de nojo, como quem diz: “tu já tá cagado, que eu sei” - eu tenho certeza que ela pensou isso, mas eu (ainda) não estava. Peguei a chave e me dirigi ao famigerado armário marrom no fundo da sala. Nessa hora, todos já tinham absoluta certeza que eu cagaria no colégio. Se tivesse facebook naquela época, já teriam feito uma foto, postado e, certamente, em cinco minutos, a postagem já teria dezenas de curtidas e comentários.
Até o armário, por precaução, eu deveria apertar a bunda e aproximar as pernas para caminhar. Mas, para não perder a pose, eu caminhei perigosamente de modo normal – nitroglicerina pura! Passou-me pela cabeça a ideia de que o papel higiênico não estivesse no armário. Mas estava. E, de certo modo, meus olhinhos cor de mel brilharam quando viram aquele rolo branco. Eu coloquei o utensílio debaixo do braço e voltei a atravessar a sala de aula – caminhando normalmente. Passei a porta e entrei no corredor. Dai sim, apressei pro banheiro em passos não muito largos, nem muito curtos. O intestino dizia “rápido, que não vai dar tempo”, enquanto a pequena cueca dizia “calma! Não corre, que pode ser pior!”
Cheguei no banheiro e sentei no vaso. Estava imundo, mas, pra mim, era melhor que um trono da mais alta nobreza. E o alívio... foi quase como quando eu tomei morfina pra acabar com a dor de uma passagem de cálculo renal. Ufa!
Eu ainda teria que voltar à sala. Voltei, recoloquei o papel higiênico naquele maldito armário marrom e entreguei a chave para a professora, que me zoou só no olhar. Tinha a impressão que ela tava pensando: “Aham! Cagou no colégio!”. Não olhei mais pra ela naquele dia.
Fui zoado por umas semanas pelos colegas. Depois, o pessoal esqueceu. Mas eu nunca esqueci daquela dramática tarde de tempo fechado de um certo mês de julho.